conteúdo integral do livro - Assembleia da República
conteúdo integral do livro - Assembleia da República
conteúdo integral do livro - Assembleia da República
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
O Sr. Presidente: — Em representação <strong>do</strong><br />
PCP, tem a palavra o Sr. Deputa<strong>do</strong><br />
Jerónimo de Sousa.<br />
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Sr.<br />
Presidente <strong>da</strong> <strong>República</strong>, Sr. Presidente <strong>da</strong> <strong>Assembleia</strong> <strong>da</strong><br />
<strong>República</strong>, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros <strong>do</strong> Governo, Srs.<br />
Deputa<strong>do</strong>s, minhas Senhoras e meus Senhores: Comemoramos<br />
hoje o 13.º aniversário <strong>da</strong> Revolução de Abril. Treze anos é sempre<br />
tempo curto na vi<strong>da</strong> de um povo. Mas é tempo suficiente para<br />
julgar e fazer prova de um acto que mu<strong>do</strong>u a face <strong>da</strong> nossa<br />
história, que longe de se apagar ou esbater na nossa memória<br />
colectiva, por entre dificul<strong>da</strong>des, incertezas, desencontros e<br />
divergências <strong>do</strong>s portugueses democratas e patriotas, demonstrou,<br />
no enfrentamento <strong>do</strong>s factores adversos, que os seus ideais, a sua<br />
vitali<strong>da</strong>de, são a chama vivifica<strong>do</strong>ra que ilumina os caminhos <strong>da</strong><br />
democracia portuguesa.<br />
E isto é possível porque, ontem como hoje, é o povo português que<br />
avaliza, defende e sente Abril. Permitam-me que recorde um facto.<br />
Há treze anos atrás, aqui, ao fun<strong>do</strong> <strong>da</strong> rua, um grupo de jovens que<br />
tinham conquista<strong>do</strong> o sindicato com o apoio <strong>da</strong> classe imprimia na<br />
noite de 24 para 25 de Abril as palavras de ordem para o Maio ain<strong>da</strong><br />
proibi<strong>do</strong>: justiça social, liber<strong>da</strong>de, fim à guerra colonial.<br />
Secun<strong>da</strong>rizavam o me<strong>do</strong> <strong>da</strong> polícia política, posta<strong>da</strong> ali na<br />
Calça<strong>da</strong> de Santos, imaginavam as cargas policiais e o jorro identifica<strong>do</strong>r<br />
<strong>da</strong> tinta azul <strong>do</strong>s carros policiais que iria espalhar-se no<br />
Rossio no dia 1.º de Maio, preparavam-se para a vindicta <strong>do</strong>s despedimentos<br />
e <strong>da</strong>s prisões em massa <strong>do</strong>s dias seguintes.<br />
Não sabiam que, tal como eles, nessa mesma noite outros jovens<br />
generosos e corajosos punham corajosamente em marcha um<br />
movimento que haveria de pôr fim a um <strong>do</strong>s perío<strong>do</strong>s mais negros<br />
<strong>da</strong> nossa história, fim a um regime carcomi<strong>do</strong>, sustenta<strong>do</strong>r de uns<br />
poucos em desfavor de um povo inteiro.<br />
Arriscaram muito esses capitães de Abril. E por isso mesmo, e<br />
para além de tu<strong>do</strong>, é com profun<strong>da</strong> sinceri<strong>da</strong>de que aqui manifestamos<br />
e reafirmamos a nossa gratidão aos militares que souberam<br />
rasgar as alame<strong>da</strong>s <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de tornan<strong>do</strong> pequeno o<br />
Rossio, permitin<strong>do</strong> aquele Maio <strong>do</strong>s Maios inesquecível e, afinal,<br />
poder dizer que se diga, ain<strong>da</strong> hoje <strong>do</strong>bra<strong>do</strong>s treze anos, que Abril<br />
valeu e vale a pena.<br />
Aplausos <strong>do</strong> PCP, <strong>do</strong> PS, <strong>do</strong> PRD, <strong>do</strong> MDP/CDE e de alguns deputa<strong>do</strong>s<br />
<strong>do</strong> PSD.<br />
Sessão solene comemorativa <strong>do</strong> 25 de Abril<br />
1987<br />
Jerónimo de Sousa<br />
PCP<br />
303<br />
Mas também por isso, hoje nesta comemoração não podemos<br />
arre<strong>da</strong>r as preocupações.<br />
Preocupações que, desde logo, vão precisamente, e em primeiro<br />
lugar, para a situação desses capitães de Abril, a quem geralmente<br />
nesta <strong>da</strong>ta ninguém regateia aplausos que, no entanto, são<br />
sistematicamente discrimina<strong>do</strong>s. Discrimina<strong>do</strong>s pela própria<br />
razão de terem feito o 25 de Abril, enquanto alguns que estiveram<br />
abertamente contra ele são acarinha<strong>do</strong>s, aplaudi<strong>do</strong>s e promovi<strong>do</strong>s.<br />
Chegou-se ao ponto de recusar à Associação 25 de Abril as instalações<br />
<strong>da</strong> Biblioteca Nacional para comemorar o 25 de Abril. Essa<br />
discriminação foi ontem mesmo firmemente condena<strong>da</strong> nesta<br />
<strong>Assembleia</strong>. E isso é positivo, e isso é Abril.<br />
Aplausos <strong>do</strong> PCP, <strong>do</strong> PS, <strong>do</strong> PRD e <strong>do</strong> MDP/CDE.<br />
E como não poderíamos deixar de sentir uma profun<strong>da</strong> preocupação<br />
quan<strong>do</strong> os grandes interesses económicos e as organizações<br />
patronais já se arrogam, melhor dizen<strong>do</strong>, já se permitem, como se<br />
viu nestes dias, <strong>da</strong>r ordens ao poder político como se não existisse<br />
Constituição, e reclamar abertamente a destruição <strong>da</strong> lei fun<strong>da</strong>mental<br />
como se tivéssemos recua<strong>do</strong> na história e as instituições<br />
democráticas fossem, como eram em 24 de Abril, cartório notarial<br />
<strong>do</strong>s monopólios, meros órgãos subservientes <strong>da</strong> vontade e <strong>do</strong>s<br />
interesses de um punha<strong>do</strong> de grandes senhores.<br />
Esta escan<strong>da</strong>losa exibição de sanha ao 25 de Abril tem lugar num<br />
momento em que, censura<strong>do</strong> pela <strong>Assembleia</strong> <strong>da</strong> <strong>República</strong>, o<br />
Governo foi demiti<strong>do</strong>. Suscitam, por isso mesmo, particular preocupação<br />
as pressões e atitudes arrogantes <strong>da</strong>queles que demiti<strong>do</strong>s se<br />
reivindicam de uma falsa legitimi<strong>da</strong>de providencial para falarem com<br />
ar convenci<strong>do</strong> em nome <strong>do</strong> povo português e contra a <strong>Assembleia</strong> <strong>da</strong><br />
<strong>República</strong>, <strong>Assembleia</strong> representativa de to<strong>do</strong>s os portugueses.<br />
Não menos preocupante é a ligeireza com que nestes últimos dias<br />
alguns comentaristas, analistas, constitucionalistas, têm advoga<strong>do</strong><br />
a dissolução <strong>da</strong> <strong>Assembleia</strong> <strong>da</strong> <strong>República</strong> e a cegueira e surdez<br />
que revelam em relação à vontade, repeti<strong>da</strong>mente manifesta<strong>da</strong> e<br />
ca<strong>da</strong> vez mais clarifica<strong>da</strong>, <strong>da</strong> maioria <strong>da</strong>s forças aqui representa<strong>da</strong>s<br />
no senti<strong>do</strong> de que seja encontra<strong>da</strong> uma solução governativa<br />
estável no quadro desta <strong>Assembleia</strong>.<br />
Que as instituições democráticas possam não <strong>da</strong>r a estas pressões<br />
a réplica firme e adequa<strong>da</strong> que a sua gravi<strong>da</strong>de exigiria só pode<br />
ser motivo de justa inquietação.<br />
O 25 de Abril, Sr. Presidente <strong>da</strong> <strong>República</strong>, Sr. Presidente <strong>da</strong><br />
<strong>Assembleia</strong> <strong>da</strong> <strong>República</strong>, Srs. Deputa<strong>do</strong>s, foi e é o respeito pela<br />
Constituição que consagrou o regime democrático, é a sujeição <strong>do</strong><br />
poder económico ao poder político.<br />
Devem ser as normas constitucionais a prevalecer e não os interesses<br />
deste ou <strong>da</strong>quele grupo, deste ou <strong>da</strong>quele interesse partidário<br />
ou pessoal.