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conteúdo integral do livro - Assembleia da República

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O Sr. Presidente <strong>da</strong> <strong>Assembleia</strong> <strong>da</strong><br />

<strong>República</strong> Vasco <strong>da</strong> Gama Fernandes:<br />

Está aberta a sessão.(...)<br />

— Sr. Presidente <strong>da</strong> <strong>República</strong>, Sr. Primeiro-<br />

-Ministro, Sr. Presidente <strong>do</strong> Supremo Tribunal de Justiça,<br />

Srs. Ministros, Srs. Conselheiros <strong>da</strong> Revolução, ilustres convi<strong>da</strong><strong>do</strong>s,<br />

Srs. Deputa<strong>do</strong>s, minhas Senhoras e meus Senhores: Ca<strong>da</strong> um tem a<br />

sua maneira de comemorar o facto, o evento ou a simples memória.<br />

Normal e habitualmente uma <strong>da</strong>ta evocativa caracteriza-se por<br />

um recor<strong>da</strong>tório, mais ou menos emociona<strong>do</strong>, cheio de lugares-<br />

-comuns, por vezes comovi<strong>da</strong>mente, em que tu<strong>do</strong> se insere: o<br />

desfilar <strong>do</strong>s ambientes, o perfil de personali<strong>da</strong>des tipo, tu<strong>do</strong> isto<br />

ain<strong>da</strong>, porque fica bem, um quarto de estrofe d'Os Lusía<strong>da</strong>s ou<br />

meio poema de Fernan<strong>do</strong> Pessoa.<br />

Fica completo o ramalhete, ou melhor, o malmequer a desfolhar<br />

conforme as inclinações e as apetências <strong>do</strong> ora<strong>do</strong>r.<br />

Será muito difícil falar-se de fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> nacionali<strong>da</strong>de sem vir<br />

à colação a gesta de Afonso Henriques, mesmo com a guerrilha<br />

contra sua mãe e a falta de pagamento <strong>do</strong> imposto devi<strong>do</strong> à Santa<br />

Sé. Quan<strong>do</strong> se abor<strong>da</strong> o problema <strong>da</strong> Batalha de Aljubarrota só<br />

conta o heroísmo <strong>da</strong> «arraia miú<strong>da</strong>» de Fernão Lopes, quan<strong>do</strong><br />

essa arraia miú<strong>da</strong> teve maior expressão na revolta burguesa de<br />

1383, revolta que, para uns, foi só burguesa, no senti<strong>do</strong><br />

tradicional <strong>da</strong> expressão, e para outros, na esteira de Cortesão, a<br />

prova <strong>da</strong> presciência <strong>do</strong>s homens <strong>do</strong> infante D. Henrique, arrancan<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong>s penhascos <strong>do</strong> interior os grandes protagonistas <strong>da</strong><br />

nossa odisseia atlântica. Do mesmo mo<strong>do</strong>, vem sempre a talhe de<br />

foice a época de <strong>do</strong>minação filipina com o arranque de<br />

1640 — Miguel de Vasconcelos projecta<strong>do</strong> <strong>da</strong> janela, o entusiasmo<br />

<strong>da</strong> população, esquecen<strong>do</strong>-se o que se passou durante sessenta<br />

anos, em que a maior parte <strong>da</strong>s élites se bandearam com o<br />

estrangeiro, quan<strong>do</strong> ao la<strong>do</strong> delas, no seu anonimato inconforma<strong>do</strong>,<br />

viveram e lutaram alguns nobres, algum clero, mas<br />

sobretu<strong>do</strong>, em transposição à distância, a fala<strong>da</strong> arraia miú<strong>da</strong> de<br />

Fernão Lopes. Se porventura se defronta o episódio <strong>da</strong>s invasões<br />

francesas, procura-se esquecer as valsas <strong>da</strong>nça<strong>da</strong>s pelas fi<strong>da</strong>lgas<br />

<strong>do</strong> tempo com os jovens oficiais de Napoleão, ali na Rua <strong>do</strong><br />

Alecrim, no palácio de Junot, quan<strong>do</strong>, sempre na inconformi<strong>da</strong>de,<br />

o povo humilde, os sargentos <strong>da</strong> guarnição e uma minoria<br />

de intelectuais se batiam em campo raso no Rossio e no Largo <strong>da</strong>s<br />

Duas Igrejas contra os invasores <strong>do</strong> território, episódio tão<br />

flagrantemente descrito nas páginas <strong>da</strong> Filha <strong>do</strong> Polaco, de<br />

Sessão solene comemorativa <strong>do</strong> 25 de Abril<br />

1978<br />

Vasco<strong>da</strong> Gama Fernandes<br />

Presidente <strong>da</strong> <strong>Assembleia</strong> <strong>da</strong> <strong>República</strong><br />

43<br />

Campos Júnior. Mais adiante, o que parece interessar na evocação<br />

<strong>da</strong>s lutas entre D. Miguel e D. Pedro são as batalhas fratrici<strong>da</strong>s,<br />

menosprezan<strong>do</strong> o que representou para este país a concepção<br />

moderna de um Esta<strong>do</strong>, expressa na obra fenomenal de<br />

Mouzinho <strong>da</strong> Silveira, e <strong>da</strong> compostura de homens <strong>da</strong> estirpe de<br />

Herculano e de Garrett — o Garrett <strong>do</strong> Portugal na Balança <strong>da</strong><br />

Europa, que devia constituir, ain<strong>da</strong> hoje, uma leitura obrigatória<br />

para to<strong>do</strong>s quantos desejam actualizar-se sobre a ver<strong>da</strong>deira<br />

vocação de um Portugal moderno. Se, ain<strong>da</strong> mais adiante, focarmos<br />

o 1820 e o 1891, cui<strong>da</strong>-se preferentemente de um elogio<br />

exaltante <strong>da</strong>s virtudes, sem cui<strong>da</strong>r <strong>do</strong>s defeitos, e nessas virtudes<br />

o que significou para Portugal a paciente investigação histórica<br />

<strong>do</strong> autor de Eurico o Presbítero e <strong>da</strong>s Len<strong>da</strong>s e Narrativas, para<br />

segui<strong>da</strong>mente, como era dever imperioso, debruçar-mo-nos sobre<br />

a estruturação europeia <strong>do</strong>s venci<strong>do</strong>s <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, não só para os<br />

guin<strong>da</strong>r à nossa admiração e respeito, como também para os<br />

criticar, até pelo nome com que passaram à história, o que por si<br />

só define um esta<strong>do</strong> de neurastenia e aban<strong>do</strong>no impróprios de um<br />

ver<strong>da</strong>deiro intelectual, tanto mais que Antero, Junqueiro,<br />

Eça de Queirós ou Ramalho Ortigão tiveram o privilégio de interpretar<br />

as ansie<strong>da</strong>des dispersas de um povo mortifica<strong>do</strong>, ain<strong>da</strong> com<br />

as marcas <strong>da</strong> santa inquisição, nossa vergonha e nossa tristeza. Ao<br />

aproximarmo-nos <strong>da</strong>s horas já vivi<strong>da</strong>s, por tradição ou por<br />

temporali<strong>da</strong>de, não se procuram as «pedras vivas», de<br />

António Sérgio, antes se pesquisa e se declama o frenesim <strong>do</strong>s<br />

comícios tentaculares e <strong>da</strong>s apóstrofes grandiloquentes, quan<strong>do</strong><br />

humildemente se sabe que um caldeireiro, de nome quase<br />

desconheci<strong>do</strong>, inscreveu nas paredes de S. Domingos, com o<br />

sangue <strong>da</strong>s suas veias, um definitivo «viva a <strong>República</strong>», ou quan<strong>do</strong><br />

também se sabe que, no dia 5 de Outubro de 1910, a par <strong>da</strong> gesta<br />

<strong>da</strong> Rotun<strong>da</strong>, populares descalços e esfarrapa<strong>do</strong>s guar<strong>da</strong>vam de<br />

arma aperra<strong>da</strong> os cofres possidentes <strong>do</strong>s adversários <strong>da</strong> véspera. E<br />

também se olvi<strong>da</strong> a obra extraordinária <strong>do</strong>s homens que fizeram<br />

a <strong>República</strong>, insistin<strong>do</strong> nas divergências ou nas dissonâncias,<br />

pon<strong>do</strong> de la<strong>do</strong> a honradez impoluta <strong>do</strong>s varões Plutarco, a obra<br />

ingente, de recuperação financeira de Afonso Costa, a modernização<br />

<strong>da</strong> nossa pe<strong>da</strong>gogia e a pertinácia <strong>do</strong>s estadistas que<br />

conseguiram que a nossa Pátria, bati<strong>da</strong> na Flandres e em África,<br />

alcançasse a paz, com a integri<strong>da</strong>de <strong>do</strong> território nacional, com o<br />

acréscimo de Kionga. E persiste-se em minimizar o valor <strong>do</strong> parlamentarismo<br />

a favor <strong>da</strong> tirania e <strong>da</strong> renúncia que nos levou à<br />

ditadura, ou melhor às ditaduras.<br />

O significa<strong>do</strong> desta toma<strong>da</strong> de posição de um impenitente escolar<br />

de história objectiva-se na afirmativa de que ain<strong>da</strong> se não<br />

escreveu, com realismo e ver<strong>da</strong>de, a história <strong>do</strong> povo português.<br />

Valiosas são as achegas, exemplifica<strong>da</strong>mente, nos tempos mais<br />

chega<strong>do</strong>s, a obra de rectificação de Sérgio, Cortesão, e as <strong>do</strong>s mais<br />

novos, de Vitorino Magalhães Godinho e de Joel Serrão, aqui,

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