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conteúdo integral do livro - Assembleia da República

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só porque era politicamente incómo<strong>do</strong>, prestou um relevante<br />

serviço à ver<strong>da</strong>de, à História, à liber<strong>da</strong>de e à democracia.<br />

Não porque se não soubesse já o que confirmou, mas porque nem<br />

to<strong>do</strong>s o sabiam. A PIDE havia tenta<strong>do</strong> desculpabilizar-se — e ao<br />

dita<strong>do</strong>r que com ela directamente despachava —, lançan<strong>do</strong> suspeitas<br />

sobre a própria oposição. Essas suspeitas ficaram para sempre<br />

no ar e os mais fanáticos defensores <strong>da</strong> ditadura agarravam-se<br />

desespera<strong>da</strong>mente a ela.<br />

Os que <strong>do</strong> tempo <strong>do</strong> ódio não podem ter memória, ou os que<br />

desse crime horren<strong>do</strong> não tinham mais <strong>do</strong> que vaga notícia, ao<br />

lerem na imprensa a inespera<strong>da</strong> confissão, terão seguramente<br />

dito: Afinal, era ver<strong>da</strong>de! A PIDE existiu mesmo! E matava!... Os<br />

velhotes, afinal, tinham razão! Safa!...<br />

Aplausos <strong>do</strong> PS, <strong>do</strong> PSD, <strong>do</strong> PCP e de Os Verdes.<br />

Por isso, quan<strong>do</strong> vi essa indignação substituí<strong>da</strong> por protestos contra<br />

o sistema de segurança, por ter deixa<strong>do</strong> entrar e sair de<br />

Portugal o au<strong>da</strong>cioso confitente, como se <strong>do</strong> mais cor<strong>da</strong>to ci<strong>da</strong>dão<br />

se tratasse, fiz em vão esforços para me indignar.<br />

Demais sei eu que Portugal deixou de ter fronteiras terrestres.<br />

Que tem agora as <strong>da</strong> Europa, que, progressivamente, deixa<br />

também de tê-las. Que um passaporte falso é hoje tão fácil de<br />

obter como um maço de cigarros. E que, com mais barba ou<br />

menos barba e, em última análise, mais nariz ou menos nariz<br />

– que tu<strong>do</strong> isso está hoje ao alcance <strong>do</strong> freguês... — a identi<strong>da</strong>de<br />

física é apenas uma de entre várias à escolha de qualquer<br />

facínora.<br />

E sabem os senhores? Sempre que no mais deprava<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />

homens permaneça um resquício de consciência moral, receber<br />

de bandeja a outra face pode representar a mais cruel <strong>da</strong>s penas.<br />

O Sr. Rosa Casaco recebe-a ao ter agora assegura<strong>da</strong>s as garantias<br />

de legali<strong>da</strong>de e justiça de <strong>do</strong>is Esta<strong>do</strong>s de direito, o espanhol e o<br />

português, que tanto porfiou em recusar-nos.<br />

Por isso é bom lembrar o mal que fin<strong>da</strong> e o bem que começa. Se<br />

deixarmos perder a memória <strong>do</strong> nosso passa<strong>do</strong> histórico, <strong>da</strong>s suas<br />

glórias e <strong>do</strong>s seus fracassos, onde iremos procurar um sucedâneo<br />

igualmente valioso <strong>da</strong> consciência <strong>da</strong> nossa uni<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> nossa<br />

soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de como espaço político autónomo?<br />

Lembrar o mal que fin<strong>da</strong> é útil para que as novas gerações apren<strong>da</strong>m<br />

que a liber<strong>da</strong>de e a democracia, em que já nasceram, tiveram<br />

uma antítese de opressão e de <strong>do</strong>r.<br />

Recor<strong>da</strong>r o bem que começa, no próprio acto de começar, é<br />

consciencializar a necessi<strong>da</strong>de de preservar esse bem, é reviver<br />

e convali<strong>da</strong>r a exaltação e a unanimi<strong>da</strong>de com que o seu advento<br />

foi sau<strong>da</strong><strong>do</strong>, é combater a tentação de ensarilhar as armas <strong>do</strong>s<br />

antigos combates e de deixar fenecer as convicções que as<br />

municiaram de entusiasmo e de indignação.<br />

Sessão solene comemorativa <strong>do</strong> 25 de Abril<br />

1998<br />

Almei<strong>da</strong> Santos<br />

Presidente <strong>da</strong> <strong>Assembleia</strong> <strong>da</strong> <strong>República</strong><br />

498<br />

A democracia e a liber<strong>da</strong>de, bens supremos para os quais ain<strong>da</strong> se<br />

não descobriram sucedâneos, não foram nunca conquistas para<br />

sempre. Houve que redescobri-las e reencontrá-las. E quem não<br />

fechar os olhos ao que acontece, prescrutan<strong>do</strong> as tendências que se<br />

desenham e os resulta<strong>do</strong>s para que tendem, dificilmente foge à conclusão<br />

de que estamos no limiar <strong>da</strong> mais surpreendente e radical<br />

descontinui<strong>da</strong>de que a história regista e que deixou de figurar entre<br />

os atributos <strong>da</strong> nossa civilização — a capaci<strong>da</strong>de de prever o futuro.<br />

Daí que se confrontem nos painéis mentais as duas visões de sempre:<br />

a optimista e a pessimista. Visão optimista: sempre há-de<br />

haver soluções para os problemas que nos afligem.<br />

A nossa capaci<strong>da</strong>de de <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong>s fenómenos é ca<strong>da</strong> vez maior;<br />

a inteligência colectiva — natural e artificial — aumenta e reforça-se<br />

com novos instrumentos sensoriais e intelectivos, como sejam, a<br />

rádio, a televisão, os meios electrónicos, a observação por satélite,<br />

a monitorização computoriza<strong>da</strong>.<br />

A genética abre novos espaços de <strong>do</strong>mínio <strong>da</strong> natureza, inclusive<br />

modifican<strong>do</strong> e recrian<strong>do</strong> espécies vivas, sem excluir a própria<br />

espécie humana. Ain<strong>da</strong> que <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>s por uma sensação de<br />

me<strong>do</strong>, somos agora capazes de interferir no património genético<br />

<strong>do</strong> homem.<br />

A manipulação genética abre espaço à criação de novos recursos<br />

alimentares, por isso, e porque a riqueza alimentar global ain<strong>da</strong><br />

chega para alimentar to<strong>da</strong>s as bocas, a fome pode ser venci<strong>da</strong>.<br />

Tão depressa a ciência consiga captar e reter energias limpas, em<br />

termos de fácil utilização, teremos podi<strong>do</strong> ultrapassar o flagelo <strong>da</strong>s<br />

energias poluentes. Os direitos humanos estão a, progressivamente,<br />

humanizar o planeta, que é mais <strong>do</strong> que nunca espaço de liber<strong>da</strong>de.<br />

A riqueza <strong>da</strong>s nações cresce continuamente e não está demonstra<strong>da</strong><br />

a incapaci<strong>da</strong>de <strong>do</strong> modelo económico de merca<strong>do</strong> para se preocupar<br />

com a sua distribuição, o que até hoje, como sabemos, não<br />

tem aconteci<strong>do</strong>. Começaram já os combates ao crescimento pelo<br />

crescimento, ao consumo pelo consumo, à competição sem<br />

regras, ao sensacionalismo sem freio.<br />

O próprio crescimento demográfico decresceu de ritmo. E to<strong>da</strong><br />

uma consciência ecológica desperta. Um neo-panteismo ilumina<strong>do</strong><br />

ameaça converter-se em religião <strong>da</strong>s novas gerações. A paz,<br />

enfim, desenha-se como conquista definitiva a prazo, após o<br />

mun<strong>do</strong> dual <strong>da</strong> guerra fria, a progressiva extra-territorialização<br />

<strong>do</strong>s conflitos e a solução destes por recurso a mini-decisões ca<strong>da</strong><br />

vez mais descentraliza<strong>da</strong>s e participa<strong>da</strong>s.<br />

E porque não acreditar num mun<strong>do</strong> sem <strong>do</strong>enças, com ca<strong>da</strong> ser<br />

humano a viver dez vezes a duração <strong>da</strong> sua actual esperança de<br />

vi<strong>da</strong>? O pessimismo — dizem, em resumo, os optimistas — traduz<br />

uma atitude de descrença na ciência e corresponde a uma visão<br />

ultrapassa<strong>da</strong>, própria de mentali<strong>da</strong>des caducas.<br />

Dizem ex-adversu os pessimistas: o maior perigo é precisamente<br />

essa cega fé na ciência que nos dispensa de reflectir sobre os graves

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