conteúdo integral do livro - Assembleia da República
conteúdo integral do livro - Assembleia da República
conteúdo integral do livro - Assembleia da República
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputa<strong>do</strong>s, declaro<br />
aberta esta sessão comemorativa <strong>do</strong><br />
Movimento Liberta<strong>do</strong>r de 25 de Abril.(...)<br />
Para uma intervenção, em nome <strong>do</strong> Grupo<br />
Parlamentar <strong>do</strong> Parti<strong>do</strong> Ecologista Os<br />
Verdes, tem a palavra a Sr.ª Deputa<strong>da</strong><br />
Isabel Castro.<br />
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): — Exmo.<br />
Sr. Presidente <strong>da</strong> <strong>República</strong>, Exmo. Sr. Presidente <strong>da</strong> <strong>Assembleia</strong><br />
<strong>da</strong> <strong>República</strong>, Srs. Membros <strong>do</strong> Governo, Sras. e Srs. Convi<strong>da</strong><strong>do</strong>s,<br />
Sras. e Srs. Deputa<strong>do</strong>s: Foi num dia aparentemente igual a tantos<br />
outros que em 25 de Abril aconteceu, fazen<strong>do</strong> nascer um tempo<br />
historicamente novo.<br />
Dizê-lo hoje, 23 anos passa<strong>do</strong>s, é, em nome <strong>do</strong> direito à memória,<br />
lembrar que foram precisos muitos anos para lá chegar, ao dia<br />
feito de muitos dias. Dias arrasta<strong>do</strong>s, lentos, cansa<strong>do</strong>s de violência,<br />
de fome e de guerra. Dias de insubmissão, resistência e luta.<br />
Dias convergin<strong>do</strong> num outro dia, por mil caminhos cruza<strong>do</strong>s e<br />
por tanta e tanta gente, ao longo de gerações, diversamente<br />
mol<strong>da</strong><strong>do</strong>.<br />
Abril como o dia de que é preciso falar sem decepcionar as<br />
palavras, sem permitir que a espa<strong>da</strong> vil <strong>da</strong> mentira lhes roube a<br />
pureza, a luz, a brancura e a alegria inicial. Dia em que a madruga<strong>da</strong><br />
«revirou a noite, revelou o dia». Noite <strong>da</strong> ditadura a abrir-se<br />
em luz, em explosão de festa e de alegria. «Venci<strong>do</strong> o me<strong>do</strong>,<br />
<strong>do</strong>bra<strong>do</strong> o assombro».<br />
No dia <strong>do</strong> sonho feito esperança, por intermédio <strong>da</strong>queles a quem<br />
a história deu a missão liberta<strong>do</strong>ra de resgatar Portugal: os<br />
capitães de Abril, que, aqui presentes, hoje, vivamente, não quero<br />
nem posso deixar de sau<strong>da</strong>r.<br />
Aplausos de Os Verdes, <strong>do</strong> PS e <strong>do</strong> PCP.<br />
Um Abril como o tempo que pôs fim à ditadura, ao tempo <strong>do</strong> pensamento<br />
vigia<strong>do</strong> e único, ao tempo <strong>do</strong> terror, <strong>do</strong> exílio, <strong>da</strong> censura,<br />
<strong>da</strong> guerra, «<strong>do</strong>s caminhos de ir lento, sem regresso».<br />
Um Abril como o tempo <strong>do</strong> «nunca mais». Um Abril, em Abril, como<br />
o tempo <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong>. O começo. O descobrimento. O futuro.<br />
Sr. Presidente, Srs. Deputa<strong>do</strong>s: É precisamente desse Abril,<br />
enquanto presente e sobretu<strong>do</strong> enquanto futuro, que hoje importa<br />
falar. Um Abril que nunca por nunca queremos ver transforma<strong>do</strong><br />
numa mera sessão comemorativa, num ritual evocativo esvazia<strong>do</strong><br />
Sessão solene comemorativa <strong>do</strong> 25 de Abril<br />
1997<br />
Isabel Castro<br />
Os Verdes<br />
459<br />
de <strong>conteú<strong>do</strong></strong>, em sau<strong>da</strong>de como tristeza que fique em nós, porque<br />
aquilo de que gostámos se foi embora.<br />
Um Abril que hoje, porventura mais <strong>do</strong> que nunca (quan<strong>do</strong><br />
inquietantes perigos o ameaçam), importa preservar e fazer quotidianamente<br />
viver, não só através <strong>do</strong>s seus ritos mas, sobretu<strong>do</strong>, <strong>do</strong>s<br />
seus valores, <strong>da</strong> sua marca liberta<strong>do</strong>ra, <strong>do</strong> sonho que tem implícito,<br />
<strong>do</strong> direito à felici<strong>da</strong>de que ousou reclamar, em nome de to<strong>do</strong>s nós!<br />
Se o 25 de Abril é formalmente sinónimo de liber<strong>da</strong>de feita acção,<br />
na palavra conquista<strong>da</strong>, no mo<strong>do</strong> de viver em conjunto, no<br />
processo de construção colectiva, no sistema de plurali<strong>da</strong>des em<br />
que to<strong>do</strong>s na sua diversi<strong>da</strong>de são necessários, na complexa teia de<br />
que a socie<strong>da</strong>de na sua diversi<strong>da</strong>de é feita;<br />
Se o 25 de Abril é formalmente sinónimo de democracia que se<br />
baseia no conjunto de direitos e liber<strong>da</strong>des públicas e se legitima<br />
enquanto tal, como organização <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de e <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, na<br />
busca <strong>do</strong> bem-estar, <strong>da</strong> paz, <strong>do</strong> desenvolvimento, como forma de<br />
assegurar a to<strong>do</strong>s uma igual<strong>da</strong>de de oportuni<strong>da</strong>des e uma existência<br />
digna, através de uma responsabili<strong>da</strong>de partilha<strong>da</strong>;<br />
A ver<strong>da</strong>de é que o autêntico significa<strong>do</strong> <strong>do</strong> 25 de Abril, enquanto<br />
liber<strong>da</strong>de, enquanto democracia, enquanto poder partilha<strong>do</strong>, só<br />
deixará de ser uma vulgar referência simbólica, um conceito<br />
cristaliza<strong>do</strong>, uma meia ver<strong>da</strong>de, uma reali<strong>da</strong>de por construir,<br />
quan<strong>do</strong> se afirmar plenamente como espaço de exercício <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de,<br />
como destino, como escolha, como vivência individual e<br />
colectiva, como senti<strong>do</strong> <strong>da</strong> própria vi<strong>da</strong>. Como diz Sophia de<br />
Mello Breyner: «Nesta hora limpa <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de é preciso dizer a<br />
ver<strong>da</strong>de to<strong>da</strong>/ Mesmo aquela que é impopular neste dia que se<br />
invoca o povo/ Pois é preciso que o povo regresse <strong>do</strong> seu longo<br />
exílio/ E lhe seja proposta uma ver<strong>da</strong>de inteira e não meia ver<strong>da</strong>de».<br />
«Meia ver<strong>da</strong>de é como habitar meio quarto/ Ganhar meio salário/<br />
Como só ter direito/ A metade <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>».<br />
E é em nome <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> que o seu senti<strong>do</strong> tem de ser encontra<strong>do</strong>,<br />
quan<strong>do</strong> a escola, em vez de se afunilar nas oportuni<strong>da</strong>des e nas<br />
mentes, se alargar no acesso mas também no gosto pela experimentação,<br />
no estímulo pela crítica, no respeito pelo outro, na<br />
ligação à vi<strong>da</strong>.<br />
E é em nome <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> que o seu senti<strong>do</strong> se encontrará, quan<strong>do</strong> o<br />
trabalho, ao invés de se tornar um factor de alienação e um direito<br />
em vias de extinção, se entender como condição para a plena<br />
realização individual <strong>da</strong>s pessoas e um instrumento <strong>do</strong> desenvolvimento<br />
e <strong>do</strong> equilíbrio social e ambiental.<br />
E é em nome <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> que o seu senti<strong>do</strong> se encontrará, quan<strong>do</strong>, à<br />
orto<strong>do</strong>xia <strong>do</strong>s merca<strong>do</strong>s e à sua implacável lógica desumaniza<strong>do</strong>ra,<br />
se contrapuser o prima<strong>do</strong> <strong>da</strong>s pessoas e <strong>do</strong>s seus direitos.<br />
E é em nome <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> que o seu senti<strong>do</strong> se buscará, quan<strong>do</strong>, ao<br />
egoísmo, à indiferença e ao silêncio acomo<strong>da</strong><strong>do</strong>, perante fenómenos<br />
como a exclusão e a intolerância, se contrapuser bem alto<br />
a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de, a indignação e a responsabili<strong>da</strong>de partilha<strong>da</strong>.