conteúdo integral do livro - Assembleia da República
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O Sr. Presidente: — Para uma intervenção,<br />
na quali<strong>da</strong>de de representante <strong>do</strong> Grupo<br />
Parlamentar <strong>do</strong> CDS-PP, tem a palavra o<br />
Sr. Deputa<strong>do</strong> António Lobo Xavier.<br />
O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP):<br />
— Sr. Presidente <strong>da</strong> <strong>República</strong>, Sr. Presidente <strong>da</strong> <strong>Assembleia</strong> <strong>da</strong><br />
<strong>República</strong>, Sr. Primeiro-Ministro, Ilustres Convi<strong>da</strong><strong>do</strong>s, Srs.<br />
Deputa<strong>do</strong>s: Comemoramos hoje, com as maiores galas <strong>da</strong> nossa<br />
praxe, a passagem <strong>do</strong> vigésimo aniversário <strong>do</strong> 25 de Abril e fazêmo-lo<br />
aqui, na <strong>Assembleia</strong> <strong>da</strong> <strong>República</strong>, com a consciência de que,<br />
para além <strong>da</strong>s crises senti<strong>da</strong>s e <strong>da</strong>s reformas deseja<strong>da</strong>s, para além<br />
<strong>da</strong> detracção e <strong>do</strong> «pensamento decadentista», é sobretu<strong>do</strong> nesta<br />
Casa que se legitima uma especial reflexão sobre a democracia portuguesa<br />
ou sobre o futuro de Portugal.<br />
A preparação <strong>da</strong> nossa liturgia, já antiga, foi, mais uma vez, castiga<strong>da</strong><br />
com aquela quase desesperante preocupação de evitar o<br />
des<strong>do</strong>uro que o tempo e a rituali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s festivi<strong>da</strong>des oficiais<br />
emprestam quase sempre à celebração <strong>da</strong>s mais relevantes <strong>da</strong>tas<br />
<strong>da</strong> nossa História.<br />
Desta vez, além <strong>do</strong> mais, a comunicação social precedeu-nos,<br />
fazen<strong>do</strong> um enorme esforço de esclarecimento e debate e geran<strong>do</strong><br />
profusas controvérsias, indignações, recor<strong>da</strong>ções, justificações,<br />
revelações e enganos.<br />
Reconheça-se que a polémica nunca tinha chega<strong>do</strong> tão longe e<br />
que a regra tem si<strong>do</strong>, estritamente quanto ao juízo sobre a<br />
importância <strong>da</strong> Revolução, a <strong>da</strong> quase unanimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s opiniões<br />
expressas. Este ano não foi assim e alguns reflectem mesmo sobre<br />
a possibili<strong>da</strong>de de ter ocorri<strong>do</strong> uma mu<strong>da</strong>nça brusca <strong>da</strong> consciência<br />
colectiva, quan<strong>do</strong> a experiência ensina que estas<br />
mu<strong>da</strong>nças só lentamente vão atravessan<strong>do</strong> as gerações.<br />
Sosseguem os tutores <strong>da</strong> memória colectiva. Em 1994, o País não<br />
mu<strong>do</strong>u especialmente o seu juízo sobre o processo de construção<br />
<strong>da</strong> democracia portuguesa, se descontarmos o impacto que algumas<br />
revelações ou confirmações produziram na mente <strong>do</strong>s observa<strong>do</strong>res<br />
ou <strong>do</strong>s actores políticos mais eruditos. Aconteceu simplesmente<br />
que houve condições para que se defrontassem publicamente e<br />
sem restrições os entusiastas, os cépticos e os adversários <strong>do</strong> 25 de<br />
Abril, sen<strong>do</strong> que a participação destes últimos constituiu uma<br />
indisfarçável novi<strong>da</strong>de.<br />
Para nós, de facto, a evocação deste aniversário <strong>do</strong> 25 de Abril<br />
trouxe alguns diferentes processos comunicativos — uns, mais<br />
felizes, outros, menos consegui<strong>do</strong>s —, mas to<strong>do</strong>s são consequência<br />
Sessão solene comemorativa <strong>do</strong> 25 de Abril<br />
1994<br />
António Lobo Xavier<br />
CDS-PP<br />
399<br />
<strong>do</strong> estádio actual de um <strong>do</strong>s maiores sucessos destes últimos 20<br />
anos. Refiro-me, como é óbvio, à liber<strong>da</strong>de de expressão e, especialmente,<br />
ao seu mais eficaz instrumento, o pluralismo <strong>do</strong>s meios<br />
de comunicação social.<br />
Alguns ficaram choca<strong>do</strong>s por assistirem à possibili<strong>da</strong>de de escutar<br />
as justificações e mesmo as convicções de alguns responsáveis <strong>do</strong><br />
antigo regime. Ultrapassan<strong>do</strong> a legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> sua indignação<br />
individual, julgaram entrever um temível processo em que a<br />
comunicação social seria o agente capaz de produzir o que<br />
chamam de branqueamento <strong>da</strong> História. Mas essa indignação<br />
assume, por vezes, um inconfessável desejo de tutela <strong>da</strong> consciência,<br />
a qual querem poupar ao que consideram alienação.<br />
Alguns destes indigna<strong>do</strong>s, mesmo quan<strong>do</strong> são — e são muitas<br />
vezes — inconfundíveis defensores <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de, esquecem que,<br />
na sua crítica <strong>da</strong> comunicação social ou na formatação alternativa<br />
que meticulosamente sugerem para os programas televisivos a<br />
que assistimos, revelam ou deixam transparecer uma sombra de<br />
transigência com alguma censura. Ora, o facto é que, existin<strong>do</strong><br />
— como existe — a liber<strong>da</strong>de de intervenção política, de contradita,<br />
de esclarecimento, estan<strong>do</strong> a socie<strong>da</strong>de portuguesa em óbvias<br />
condições de reacção e de senti<strong>do</strong> crítico, não choca mais a<br />
difusão <strong>da</strong> justificação <strong>do</strong>s culpa<strong>do</strong>s <strong>do</strong> que as célebres proibições<br />
<strong>da</strong> apresentação de imagens de arquivo sobre o antigo regime,<br />
dita<strong>da</strong>s pelos cui<strong>da</strong><strong>do</strong>sos gestores <strong>do</strong> PREC para a eliminação<br />
científica de qualquer sau<strong>do</strong>sismo menos orto<strong>do</strong>xo. Alguém julga,<br />
ain<strong>da</strong>, em Portugal, que a História mu<strong>da</strong> o seu curso com o simples<br />
virar <strong>da</strong>s faces <strong>do</strong>s retratos para a parede?<br />
Se se pode ver algum sinal neste novo ambiente, esse é seguramente<br />
o de que o tempo e o povo concorrem, inexoravelmente,<br />
para desvalorizar os créditos mais antigos <strong>do</strong>s políticos. O povo<br />
respeita o passa<strong>do</strong>, mas não vive de memórias e nenhum político<br />
construa a sua carreira na convicção de que são suficientes<br />
— ain<strong>da</strong> que heróicos e sublimes (e são muitas vezes heróicos e<br />
sublimes) — os seus sofrimentos com exílios ou prisões.<br />
Aliás, valha a ver<strong>da</strong>de, alguns <strong>do</strong>s que hoje mais se indignam<br />
chegaram a metamorfosear-se de vítimas em culpa<strong>do</strong>s, de tal<br />
mo<strong>do</strong> procuraram estabelecer um regime restritivo em matéria de<br />
liber<strong>da</strong>de, de escolhas e de futuro.<br />
O ambiente mu<strong>do</strong>u, talvez, só porque os ci<strong>da</strong>dãos já se não bastam<br />
com a autori<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s vítimas nem exigem a contrição em silêncio<br />
<strong>do</strong>s culpa<strong>do</strong>s. Preocupa-os porventura menos o conhecimento<br />
exacto <strong>da</strong> autoria e <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de <strong>do</strong> 24 e <strong>do</strong> 25 de Abril <strong>do</strong><br />
que o conhecimento <strong>do</strong> futuro que lhe preparam e <strong>do</strong> novo País<br />
que os políticos vão antecipan<strong>do</strong>. Talvez por isso mesmo vejam o<br />
la<strong>do</strong> positivo <strong>da</strong> Revolução menos no seu papel instantâneo de<br />
conditio sine qua non <strong>do</strong> estádio actual <strong>da</strong> democracia e mais no<br />
processo de construção de um novo destino para Portugal. Talvez<br />
por isso, também, quase to<strong>do</strong>s nós, nesta <strong>da</strong>ta, ao longo <strong>do</strong>s anos,