16.04.2013 Views

conteúdo integral do livro - Assembleia da República

conteúdo integral do livro - Assembleia da República

conteúdo integral do livro - Assembleia da República

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o representante<br />

<strong>do</strong> Parti<strong>do</strong> Socialista.<br />

O Sr. Salga<strong>do</strong> Zenha (PS): — Sr. Presidente<br />

<strong>da</strong> <strong>República</strong>, Sr. Presidente <strong>da</strong> <strong>Assembleia</strong> <strong>da</strong> <strong>República</strong>, Sr.<br />

Presidente <strong>do</strong> Supremo Tribunal <strong>da</strong> Justiça, Srs. Conselheiros <strong>da</strong><br />

Revolução, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros <strong>do</strong> Governo, Srs.<br />

Deputa<strong>do</strong>s, minhas Senhoras e meus Senhores: Alguém disse que<br />

não sabia o que era a liber<strong>da</strong>de, pois apenas conhecia a libertação.<br />

Direi antes que a libertação é o começo <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de.<br />

Durante quase meio século Portugal viveu oprimi<strong>do</strong> pela tirania.<br />

1974 é o ano <strong>da</strong> libertação que neste momento comemoramos.<br />

A Revolução <strong>do</strong> 25 de Abril surgiu como um movimento<br />

antifascista. Uma revolução e um movimento não se reduzem,<br />

porém, à definição de um inimigo; o seu significa<strong>do</strong> profun<strong>do</strong><br />

resulta <strong>do</strong> que se pretende ao derrotar-se esse inimigo. A uni<strong>da</strong>de<br />

táctica para alcançar a vitória não pode ser substituí<strong>da</strong> abusivamente<br />

por uma unanimi<strong>da</strong>de contrária ao sentimento nacional e<br />

imposta ditatorialmente. A unanimi<strong>da</strong>de está para a uni<strong>da</strong>de tal<br />

como a opressão está para a democracia. O futuro de nós to<strong>do</strong>s<br />

terá de ser construí<strong>do</strong> por to<strong>do</strong>s nós — à volta de um projecto<br />

comum realiza<strong>do</strong> em liber<strong>da</strong>de e emergente <strong>da</strong> vontade popular.<br />

O antifascismo não poderá ser nunca um fascismo ao contrário,<br />

mas deverá ser o contrário <strong>do</strong> fascismo, ou seja, a democracia em<br />

to<strong>da</strong>s e com to<strong>da</strong>s as suas implicações. Assim como o contrário <strong>da</strong><br />

tirania não é a anarquia mas a liber<strong>da</strong>de, também o contrário <strong>do</strong><br />

despotismo fascista não é o despotismo antifascista mas a democracia,<br />

ou seja, o regime em que vivemos.<br />

A liber<strong>da</strong>de não é só a abolição <strong>da</strong> tirania, é também transformar<br />

a esperança em reali<strong>da</strong>de.<br />

A tirania instala-se num dia e pode durar um século. O sonho, a<br />

esperança, o desejo não ganham corpo num espasmo de cólera,<br />

de ira ou de força. A esperança não se plasma no concreto por<br />

nenhuma técnica explosiva mas tão-só pela prática implosiva <strong>da</strong><br />

persistência, <strong>do</strong> trabalho, <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> e <strong>da</strong> inteligência.<br />

Essa esperança para nós, socialistas, é o socialismo em liber<strong>da</strong>de.<br />

Em liber<strong>da</strong>de porque não consentiremos que ela jamais desapareça<br />

<strong>da</strong> terra portuguesa. Liber<strong>da</strong>de é, antes de tu<strong>do</strong>, tolerância.<br />

Não há liber<strong>da</strong>de sem tolerância. A intolerância é um mal que<br />

entre nós vem de longe — desde os tempos <strong>da</strong> Inquisição. À intolerância<br />

religiosa <strong>da</strong> monarquia seguiu-se a intolerância anticlerical<br />

e até anti-religiosa <strong>da</strong> <strong>República</strong>, que se volveu de novo durante<br />

a ditadura num farisaísmo sórdi<strong>do</strong> de instrumentalização <strong>da</strong>s<br />

Sessão solene comemorativa <strong>do</strong> 25 de Abril<br />

1977<br />

Salga<strong>do</strong> Zenha<br />

PS<br />

31<br />

crenças religiosas para fins profanos e discriminatórios. A liber<strong>da</strong>de<br />

só se instaura pelo exercício <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de. É um atenta<strong>do</strong> à<br />

inteligência humana pretender-se que de um qualquer despotismo,<br />

mesmo que supostamente ilumina<strong>do</strong> ou progressista,<br />

poderá um dia desabrochar a liber<strong>da</strong>de — expontânea e anestesicamente.<br />

A liber<strong>da</strong>de gera a liber<strong>da</strong>de. A ditadura reproduz a<br />

ditadura.<br />

A liber<strong>da</strong>de é, antes de tu<strong>do</strong>, tolerância. É por isso que não há na<br />

história <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> exemplo de uma só ditadura tolerante. O<br />

poder absoluto corrompe absolutamente. To<strong>da</strong> a ditadura é intolerante.<br />

To<strong>do</strong> o intolerante é um dita<strong>do</strong>r que se ignora. E só a<br />

tolerância vivi<strong>da</strong> e pratica<strong>da</strong> frutifica. A simplesmente predica<strong>da</strong><br />

pela palavra e nega<strong>da</strong> pelo acto não é tolerância; é a hipocrisia <strong>do</strong>s<br />

candi<strong>da</strong>tos a dita<strong>do</strong>res. Foi assim que procederam João Franco,<br />

Salazar e Caetano.<br />

A alienação <strong>do</strong> homem encontra a sua origem não só na sua<br />

exploração económica como na sua coerção pelo me<strong>do</strong> e pela sua<br />

perseguição. Só é livre o homem sem fome e sem me<strong>do</strong>. O man<strong>da</strong>mento<br />

máximo <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de é: não perseguirás. A dialéctica<br />

alternativa <strong>do</strong> opressor e <strong>do</strong> oprimi<strong>do</strong> é uma herança <strong>da</strong>s angústias<br />

acumula<strong>da</strong>s pelo sofrimento que só pode ser rompi<strong>da</strong> pela prática<br />

<strong>da</strong> tolerância. Sem ela, não haverá nunca ver<strong>da</strong>deira liber<strong>da</strong>de.<br />

A esperança é para nós, socialistas, a liber<strong>da</strong>de, mas também o<br />

socialismo em liber<strong>da</strong>de.<br />

O povo português encontra-se, hoje, perante uma encruzilha<strong>da</strong><br />

histórica <strong>do</strong> seu caminhar, num momento comparável às grandes<br />

crises de crescimento <strong>da</strong> consciência e <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de nacional,<br />

como 1383, 1640, 1820 e 1910. Há que assumi-lo e superá-lo.<br />

Não há que chorar o passa<strong>do</strong>, há sim que construir um futuro<br />

digno <strong>do</strong> nosso povo e <strong>da</strong> nossa história. Quem não se orgulha <strong>do</strong><br />

seu passa<strong>do</strong> não tem direito ao futuro. Os complexos africanos<br />

ou colonialistas representam a fixação repressiva no recor<strong>da</strong>r<br />

oblitera<strong>do</strong> não <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> mas de um passadismo patológico. O<br />

legítimo orgulho <strong>do</strong> nosso passa<strong>do</strong> é a alavanca <strong>da</strong> criação <strong>do</strong><br />

porvir. Libertámo-nos <strong>do</strong> fascismo e <strong>do</strong> colonialismo. Isso é mais<br />

um motivo de orgulho para nós. O futuro de Portugal está no<br />

reforço nacional. E não há soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de nacional senão na liber<strong>da</strong>de<br />

e na justiça social. O patrioteirismo sau<strong>do</strong>sista <strong>do</strong>s privilégios<br />

e <strong>da</strong>s injustiças de outrora não é patriotismo; é antipatriotismo.<br />

Nem merece <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> glorioso <strong>da</strong> nossa história quem a<br />

rememore para morrer e não para vencer. O futuro de Portugal<br />

está no socialismo em liber<strong>da</strong>de.<br />

As grandes linhas <strong>do</strong> novo modelo de vi<strong>da</strong> institucional aponta<strong>do</strong><br />

pela Constituição são um incentivo para o nosso trabalho.<br />

O povo português escolheu o general Ramalho Eanes para seu<br />

Presidente <strong>da</strong> <strong>República</strong>. Saú<strong>do</strong>-o como homem <strong>da</strong> melhor têmpera<br />

portuguesa, de «antes quebrar que torcer» — não poderia ser<br />

escolhi<strong>do</strong> melhor timoneiro.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!