conteúdo integral do livro - Assembleia da República
conteúdo integral do livro - Assembleia da República
conteúdo integral do livro - Assembleia da República
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção,<br />
em nome <strong>do</strong> Grupo Parlamentar<br />
<strong>do</strong> Parti<strong>do</strong> Social Democrata, tem a<br />
palavra o Sr. Deputa<strong>do</strong> Pacheco Pereira.<br />
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): — Sr. Presidente<br />
<strong>da</strong> <strong>República</strong>, Sr. Presidente <strong>da</strong> <strong>Assembleia</strong> <strong>da</strong> <strong>República</strong>,<br />
Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros <strong>do</strong> Governo, Srs. Altos<br />
Dignitários <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, Srs. Convi<strong>da</strong><strong>do</strong>s, Sras. Deputa<strong>da</strong>s, Srs.<br />
Deputa<strong>do</strong>s: Comemora-se hoje mais um aniversário <strong>do</strong> 25 de<br />
Abril, momento fun<strong>da</strong><strong>do</strong>r <strong>da</strong> nossa democracia política.<br />
Comemoramos um 25 de Abril que não tem proprie<strong>da</strong>de. Nem à<br />
esquer<strong>da</strong>, nem à direita. Não é proprie<strong>da</strong>de de quem o fez e<br />
muito menos de quem o usa para efeitos de legitimação política,<br />
retiran<strong>do</strong>-lhe assim o seu significa<strong>do</strong> nacional. Porque só há duas<br />
alternativas: ou o 25 de Abril fun<strong>do</strong>u a democracia e é pertença<br />
<strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia de to<strong>do</strong>s os portugueses ou transformou-se numa<br />
<strong>da</strong>ta sectária ou num instrumento de culpabilização histórica e<br />
política. Culpabilização que não deve ser feita para trás, para o 24<br />
de Abril, nem para a frente, para o 26 de Abril.<br />
Por nós falamos. O PSD é, na sua génese e na acção, um directo<br />
resulta<strong>do</strong> desse acto de liber<strong>da</strong>de <strong>do</strong> povo e <strong>da</strong> nação e, em consequência,<br />
é, tanto quanto os outros parti<strong>do</strong>s <strong>da</strong> democracia e<br />
tanto quanto a própria democracia, um sinal <strong>do</strong> 25 de Abril, parte<br />
indissociável <strong>do</strong> que comemoramos. Porque, comemoran<strong>do</strong> o 25<br />
de Abril, comemoramos as instituições que lhe dão corpo — a<br />
democracia parlamentar e representativa, consubstancia<strong>da</strong> no<br />
Parlamento e nos parti<strong>do</strong>s políticos.<br />
É por isso que a comemoração deve ter lugar essencialmente<br />
aqui, na instituição parlamentar que representa aquilo que é a<br />
essência <strong>da</strong> democracia: a liber<strong>da</strong>de de sermos diferentes que<br />
nasce <strong>do</strong> direito de sermos iguais. A nobreza <strong>do</strong> pluralismo<br />
democrático, o fun<strong>da</strong>mental, claro, lídimo direito de ca<strong>da</strong> um ter<br />
opinião, é aqui que se traduz. É que não temos a mesma opinião,<br />
a mesma visão <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Esta instituição, tantas vezes mal<br />
ama<strong>da</strong>, não se baseia na uni<strong>da</strong>de mas na plurali<strong>da</strong>de, não se<br />
baseia, fun<strong>da</strong>mentalmente, no consenso.<br />
E é exactamente porque o 25 de Abril é assim que só evitamos<br />
que esta comemoração seja um ritual sem senti<strong>do</strong> se a actualizarmos<br />
para as nossas preocupações <strong>do</strong> presente e se dissermos<br />
agora o que nos divide.<br />
Três preocupações são para nós imperativas. To<strong>da</strong>s elas estão<br />
interliga<strong>da</strong>s: primeira, a inconsciência face aos problemas que<br />
Sessão solene comemorativa <strong>do</strong> 25 de Abril<br />
1997<br />
Pacheco Pereira<br />
PSD<br />
465<br />
iremos defrontar no fim <strong>do</strong> século; segun<strong>da</strong>, o excessivo tacticismo<br />
<strong>da</strong> nossa vi<strong>da</strong> política; terceira, a crise <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.<br />
Sr. Presidente, Srs. Deputa<strong>do</strong>s: Não se pode ser cego em relação<br />
aos problemas que Portugal vai defrontar no fim deste século.<br />
Nessa <strong>da</strong>ta, o País encerrará uma página no seu processo de integração<br />
na Europa, e encerrá-la-á, esperamos to<strong>do</strong>s, com sucesso.<br />
Mas defrontará novos problemas, alguns <strong>do</strong>s quais inéditos na nossa<br />
História <strong>do</strong>s últimos 200 anos, e não é líqui<strong>do</strong> que nos estejamos<br />
a preparar para os defrontar.<br />
Uma economia que sempre viveu protegi<strong>da</strong>, uma socie<strong>da</strong>de em<br />
mutação rápi<strong>da</strong>, sujeita a tensões consideráveis, uma vi<strong>da</strong> política<br />
que está muitas vezes presa aos esquemas e aos problemas <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>,<br />
tu<strong>do</strong> isto constituirão fontes de dificul<strong>da</strong>de acresci<strong>da</strong>.<br />
Existe hoje um divórcio entre os problemas e a sua percepção<br />
pública, um divórcio entre o que precisávamos de estar a fazer e<br />
aquilo que fazemos. Esse divórcio alarga-se porque, sen<strong>do</strong> este o<br />
tempo de políticas difíceis, está a tornar-se o tempo em que<br />
a facili<strong>da</strong>de se torna comum.<br />
Ora, este divórcio é ou deveria ser, pela sua própria natureza, o<br />
primeiro factor de preocupação <strong>da</strong> política democrática e <strong>do</strong>s<br />
políticos.<br />
São por isso preocupantes os sinais de que, em vésperas de uma<br />
mutação qualitativa na vi<strong>da</strong> de Portugal, com a plena integração<br />
na União Europeia, fazen<strong>do</strong> novos desafios e grandes exigências,<br />
muito <strong>da</strong> nossa vi<strong>da</strong> política permaneça <strong>do</strong>mina<strong>da</strong> por preocupações<br />
de puro tacticismo, subordina<strong>do</strong> mais à imediatici<strong>da</strong>de<br />
mediática <strong>do</strong> que a uma visão estratégica <strong>do</strong>s problemas<br />
nacionais. A redução <strong>da</strong> acção política apenas à garantia de que<br />
se ocupa espaço no jornal <strong>do</strong> dia seguinte, a política esvazia<strong>da</strong> de<br />
<strong>conteú<strong>do</strong></strong> de cartas abertas, as voltas e reviravoltas tácticas destina<strong>da</strong>s<br />
a gerar «novi<strong>da</strong>de» — logo, notícias — estão intimamente<br />
associa<strong>da</strong>s a uma profun<strong>da</strong> falta de consistência na acção política<br />
e à consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> ideia de que a política em democracia é<br />
um mero jogo que não depende de ideias, princípios, valores e<br />
convicções.<br />
Este carácter superficial <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> política é gera<strong>do</strong> e agrava<strong>do</strong><br />
essencialmente pelo vazio <strong>do</strong> poder, pela incapaci<strong>da</strong>de de decidir,<br />
pelo me<strong>do</strong> de assumir as responsabili<strong>da</strong>des, geran<strong>do</strong> uma apatia<br />
social difusa, que parece uma acalmia, mas é apenas o prenúncio<br />
de tempestade.<br />
É o caso gravíssimo <strong>da</strong> clara quebra <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.<br />
Há uma frase lapi<strong>da</strong>r de um grande poeta português, Mário<br />
Cesariny de Vasconcelos, escrita contra a censura e o regime<br />
autoritário <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Novo. Foi uma frase inseri<strong>da</strong> num <strong>do</strong>cumento<br />
político escrito por um poeta, que, num assomo de rara<br />
lucidez, os censores compreenderam na sua perigosi<strong>da</strong>de, e censuraram.<br />
Essa frase é simples: «To<strong>do</strong> o homem é teatro de uma<br />
inexpugnável autori<strong>da</strong>de».