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Assim, logo depois da morte de Nildo Fernandes, quando as hostes de curiosos e de desesperados mais se aglomeravam em frente<br />
ao seu edifício, Jeanne resolveu pedir auxílio ao Demônio.<br />
— Não quero mais essa história — disse ela para o Príncipe das Trevas — Não é assim que eu pretendo me impor à sociedade!<br />
Satã riu, deixando Jeanne irritada. Por que ele tinha de rir sempre que ela lhe pedia alguma coisa?<br />
— Não se preocupe. O que eu queria com a sua capacidade de prever o futuro, com a sua clarividência e clariaudiência, já consegui<br />
atingir — disse ele — Você está respeitada e famosa, agora... precisa ser temida.<br />
Passou as mãos ao longo dos braços de Jeanne e falou:<br />
— Quando o dia amanhecer, você vai atender os três primeiros que aparecerem aqui. Estarão acompanhados e serão pessoas<br />
saudáveis que estarão procurando por você para resolver assuntos que nada têm a ver com a saúde. Porém, você vai predizer-lhes a<br />
morte... E do resto, cuido eu!<br />
Jeanne estremeceu e, horrorizada, perguntou:<br />
— Mas você vai matar essas pessoas?!<br />
Satã soltou uma gargalhada.<br />
— Matar? — fez ele — Mas o que é isso? O que é morrer ou viver? Será que vocês, reles mortais ainda não compreenderam que isso<br />
a que chamam Vida, não é mais do que uma muito breve transição do estado natural das coisas que é a Morte? Já procurou pensar que<br />
os espíritos, estejam onde estiverem, têm a eternidade pela frente e que o período em que eles permaneceram aqui na Terra é por<br />
demais curto para ser valorizado?<br />
Com essas palavras, Satã desapareceu, deixando Jeanne frustrada pois ela tinha a esperança de que, naquela noite, eles ainda<br />
teriam tempo para uma sessão de amor...<br />
*******<br />
Na manhã seguinte, as palavras de Satã ainda estavam ecoando nos ouvidos de Jeanne quando Serafina disse que havia uma porção<br />
de gente querendo conversar com ela.<br />
— A senhora faria bem se montasse um terreiro, dona Jeanne — falou a empregada — Poderia até ganhar muito dinheiro...<br />
— Não estou incomodada com dinheiro, Serafina — replicou ela com enfado — O que eu quero é paz... Paz para poder usufruir do que<br />
eu já tenho. E esse povo todo não me deixa um segundo só de sossego.<br />
Jeanne abriu a porta e olhou para as três primeiras pessoas.<br />
Com gestos teatrais, cobriu o rosto com as mãos e disse:<br />
— Não! Não vou atender ninguém! Vejo a Morte rondando... Vejo tragédia para estas três pessoas!<br />
Assim dizendo, fechou a porta e foi para a janela ver o que iria acontecer.<br />
— Não precisou esperar muito.<br />
Os três primeiros da fila que, certamente ali estavam havia horas, saíram do prédio reclamando, pisando duro, dizendo que era um<br />
absurdo serem tratados daquela maneira.<br />
Juntos — dois homens e uma mulher — começaram a atravessar a rua...<br />
Jeanne viu antes de todos pois, como estava à janela do apartamento, tinha um campo de visão muito mais amplo.<br />
O caminhão dos bombeiros virou, apressado, vindo da Avenida Angélica.<br />
Não houve tempo nem mesmo de brecar...<br />
Os três foram colhidos em cheio, arremessados à distância e, quando caíram no chão, já estavam, mortos.<br />
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