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— Além do mais, padre... Não tenho muitas saudades da França. É um país velho, mofado, cheio de histórias de assombração. Eu fico<br />
toda arrepiada quando me lembro das coisas<br />
horríveis que me contavam quando eu era pequena e morava em Paris...<br />
Padre Rafael sentou-se numa ponta do sofá e comentou:<br />
— Eu também sei algumas histórias arrepiantes...<br />
Jeanne olhou para ele com expressão interessada e curiosa.<br />
O padre, com uma risada, indagou:<br />
— Mas você não disse que ficava arrepiada quando escuta esse tipo de coisa? Como é que faz essa cara de quem quer ouvir?<br />
— Não creio que um caso assombroso contado por um padre possa me arrepiar — respondeu ela.<br />
Apanhando a garrafa de vinho e servindo-o, completou:<br />
— De mais a mais, acho que se eu me arrepiar ou se tiver medo, com a sua presença aqui em casa, terei como me acalmar...<br />
Padre Rafael voltou a fitar Jeanne com aqueles olhos penetrantes e ela não pode deixar de sentir um certo mal estar.<br />
Parecia que ele estava sabendo perfeitamente o que Jeanne pretendia e, como o gato que brinca com o rato antes de matá-lo, o<br />
padre estava apenas brincando com ela para ver até onde teria coragem de chegar.<br />
Respirando fundo e tomando um gole de vinho, o sacerdote falou:<br />
— Você estava com a razão, Jeanne... Este vinho é realmente formidável... E, quando tomado em companhia de uma bela mulher...<br />
Antes que Jeanne pudesse manifestar o seu espanto por aquela frase, o padre prosseguiu:<br />
— O vinho precisa de alguns requisitos para ser completo. Assim, não se pode saborear um bom vinho sem um acompanhamento e,<br />
para que o seu espírito, para que o espírito do vinho seja de fato realçado, é indispensável que nesse acompanhamento haja uma<br />
mulher, a obra prima do Criador.<br />
— Não me considero nenhuma obra prima — replicou Jeanne com um trejeito e sentando-se ao lado do padre.<br />
— Mas é — disse ele prontamente — Você é uma mulher linda e é muito estranho que ainda não tenha se casado...<br />
— Sou viúva — murmurou Jeanne — Meu marido morreu nas mãos dos alemães logo no começo da guerra.<br />
— Pois deveria se casar outra vez — ponderou o sacerdote — Uma mulher bonita não deve ficar sozinha. Além de fazer mal à saúde,<br />
é um verdadeiro desperdício e Deus condena o desperdício, sabia?<br />
Jeanne riu.<br />
Pousando a mão sobre o antebraço do padre, ela falou:<br />
— Nesse caso, o senhor deve viver em pecado. Também acho que seja um desperdício muito grande um homem tão másculo, bonito<br />
e inteligente ficar assim, celibatário...<br />
Padre Rafael ia dizendo que o celibato clerical era uma opção de vida que os padres faziam quando decidiam abraçar o sacerdócio<br />
mas, Jeanne não o deixou.<br />
Apressada, temendo que aquele assunto desse início a uma discussão estéril sobre vocações sacerdotais e outras coisas congêneres,<br />
ela disse:<br />
— Mas eu não o convidei para ficarmos conversando sobre um tema que só serve para levantar a discórdia...<br />
Ficando subitamente séria, Jeanne falou:<br />
— Estou muito preocupada, padre. Muito preocupada com o meu futuro.<br />
O sacerdote sorriu e replicou:<br />
— Não vejo como você possa estar preocupada, Jeanne... Você é rica, bonita, jovem... Não tem nenhuma razão de se preocupar com<br />
o futuro material.<br />
Fitando-a com intensidade, acrescentou:<br />
— A menos que esteja falando de seu futuro espiritual e, nesse caso, talvez eu possa ajudar em alguma coisa...<br />
Jeanne balançou a cabeça negativamente e murmurou:<br />
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