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Tinha certeza que, com Jeanne, as coisas não seriam tão simples quanto foram com Beatriz. A francesa faria o diabo para não perdêlo<br />
pois sabia que toda a sua posição e influência era<br />
decorrente de estar casada com ele. E Jeanne não estava disposta a abdicar de nada daquilo.<br />
— melhor deixar as coisas como estão — disse para si mesmo — Sylvia e Simone estão bem, estão perfeitamente assistidas, têm a<br />
vida garantida... O resto... Há de ser sempre e tão somente o resto.<br />
Assim dizendo, Tomás se dedicava ao trabalho com toda a vontade, vivia em função de suas atividades profissionais e, é claro, isso<br />
só fazia com que sua fortuna aumentasse a cada dia. Tinha, sempre, uma sombra de tristeza por não poder comentar que tinha uma<br />
filha, uma certa frustração por não estar com Sylvia e uma raiva intensa de si mesmo por continuar com Jeanne, partilhando uma vida<br />
sem no entanto, de fato reparti-la.<br />
Esses sentimentos se manifestavam com mais intensidade quando, no final do expediente, ele e alguns amigos se reuniam em um<br />
bar da moda para um aperitivo antes de voltar para casa.<br />
Nesses momentos, era proibido falar de trabalho e assim, o assunto invariavelmente girava em torno da vida doméstica de cada um.<br />
Tomás ouvia, com inveja e tristeza, os colegas comentarem a respeito de suas famílias, de seus filhos, dos planos e dos sonhos que<br />
faziam...<br />
Ele, apesar de casado, não tinha o que comentar.<br />
Falar o quê? Que Jeanne estava, nas últimas três semanas ocupadíssima com palestras sobre espiritualismo? Ou que Jeanne tinha<br />
mandado reformar a cozinha do apartamento? Ou que fazia já um bom tempo que ele não se deitava com a mulher? Ou será que ele<br />
poderia falar que tinha, também uma filha, que ela estava crescendo linda e que passava às vezes, horas<br />
seguidas conversando com ela? Ou, ainda, que muitas tardes, quando dizia no escritório que precisava ir a Santos para resolver<br />
algum negócio importante, ele tinha era ido para a casa<br />
de Sylvia, apenas para poder ir buscar Simone no Jardim de Infância?<br />
Mas ele não podia falar nada disso. Tinha de manter silêncio, guardar esse segredo. Tinha de se mortificar, abafar um sentimento que<br />
ele não sabia que poderia ter: o amor paterno.<br />
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*******<br />
Por sua vez, Jeanne continuava a sua vida.<br />
Normalmente, como se o mundo girasse ao seu redor, como se nada a pudesse abalar e agindo como se tivesse o indiscutível direito<br />
de dominar todos, de exigir de todos e de fazer com que quem quer que dela se aproximasse, ficasse numa posição de inferioridade<br />
absoluta.<br />
Evidentemente, ela percebera que Tomás mudara...<br />
Já pelo seu desinteresse em procurá-la, Tomás estava diferente e qualquer mulher logo imaginaria que ele estava mantendo uma<br />
amante ou que, na melhor das hipóteses, estava<br />
doente, sem qualquer libido.<br />
Porém, para Jeanne, isso não interessava muito. O que ela queria, era que Tomás não a abandonasse de repente, deixando-a sozinha<br />
e desamparada do ponto de vista da sociedade. Jeanne sabia muito bem que, sem Tomás, ela não seria ninguém, por mais dinheiro que<br />
tivesse, por mais poder que pudesse demonstrar.<br />
Sim, mesmo sendo considerada por muitos como uma autêntica feiticeira, ela não mais seria respeitada. Passaria a ser simplesmente<br />
temida mas, respeitada, requisitada para festas e<br />
reuniões, convidada para participar de todas as atividades sociais da cidade, isso, ela sabia que não seria mais.<br />
Assim, Jeanne preferiu calar e não fazer perguntas ao marido.