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Pela porta aberta, Jeanne ficou observando Gabrielle desaparecer por entre as árvores e, mais uma vez, aquele estranho e desagradável<br />
arrepio percorreu sua coluna vertebral.<br />
Pareceu-lhe ouvir no interior de sua alma, alguém que a recriminava por deixar a velha ir sozinha àquela reunião de doidos.<br />
Sacudiu a cabeça afastando de si esses pensamentos e, com um suspiro, voltou a arrumar os objetos cabalísticos de Gabrielle que<br />
tinham sido usados durante aquele dia.<br />
Mas Jeanne estava inquieta.<br />
Não conseguia se concentrar no que fazia e, por duas vezes, quase deixou cair no chão a preciosa bola de cristal.<br />
Resolveu desistir de qualquer coisa e, sentando-se numa das poltronas diante da lareira, tentou bordar um pouco.<br />
Espetou-se com a agulha, errou os pontos, desistiu.<br />
Apanhou a cesta de tricot, afinal precisava se apressar um pouco com as roupinhas de seu filho.<br />
Mas nem isso conseguiu fazer.<br />
Estava angustiada, mal dentro de sua própria pele, parecia que, de repente, as paredes da casa a estavam oprimindo, abafando,<br />
dizendo-lhe, enfim que não deveria estar ali, mas sim<br />
no coven, ao lado de Gabrielle.<br />
Finalmente, cerca de três horas depois que a velha deixara a casa, Jeanne se decidiu.<br />
Apanhou um xale, jogou-o sobre os ombros e saiu, seguindo a mesma direção que Gabrielle tomara ao entrar na floresta.<br />
Foi só quando já estava no meio do mato, na mais total e absoluta escuridão, que ela se deu conta de que não tinha a menor idéia do<br />
caminho a seguir.<br />
Olhou ao seu redor.<br />
Absolutamente em vão. Não era capaz de enxergar um palmo diante do nariz e, muito naturalmente, Jeanne sentiu medo.<br />
Percebeu, já entrando em pânico, que não conseguiria voltar para o bangalô e um soluço desesperado sacudiu seu corpo, as lágrimas<br />
começando a surgir.<br />
Nesse momento, ouviu nitidamente uma voz que lhe dizia:<br />
— Siga em frente, Jeanne... Sempre em frente... E não tema. Gabrielle está esperando por você.<br />
Assustada, a moça sentiu que, por ela, por sua vontade, não queria seguir. Seu desejo era ficar ali, pregada ao chão, com medo de<br />
dar um passo sequer, talvez esperar que o dia chegasse ou que acontecesse o milagre de alguém surgir com uma lanterna e a levasse<br />
de volta para casa.<br />
Mas...<br />
Suas pernas criaram vontade própria...<br />
Seus pés começaram a se movimentar cada vez mais depressa e logo ela estava correndo, ainda apavorada mas, ao mesmo tempo,<br />
surpresa por não esbarrar num só galho de árvore.<br />
E Jeanne já andara por aquele trecho da floresta à cata de morangos e amoras silvestres. Sabia muito bem o quanto ele era fechado<br />
e denso.<br />
Sem se cansar, sem nem ao menos modificar o ritmo respiratório, Jeanne correu por quase quinze minutos.<br />
Quando seus pés decidiram diminuir a marcha, ela se viu na orla de uma clareira em cujo centro tinha sido feita uma grande fogueira.<br />
Ao redor das labaredas, doze vultos se agitavam numa estranha dança e, um pouco mais para trás, um grande caldeirão parecia<br />
apenas aguardar a hora de ser colocado sobre as chamas.<br />
Os vultos, vestidos de negro, com uma espécie de capa longa que lhes chegava quase aos tornozelos, saltavam e corriam ao redor da<br />
fogueira, cantando alguma coisa que a moça não conseguia entender, fazendo gestos, baixando e levantando suas cabeças escondidas<br />
por capuzes como os dos frades capuchinhos.<br />
Jeanne estacou.<br />
Sabia que queria ir até lá, sabia que deveria se aproximar mas...<br />
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