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— Não consigo entender — disse o doutor Adalberto — Essa mulher está desafiando todo o meu conhecimento!<br />
— Também o meu — afirmou o doutor Muniz — Não encontro uma explicação para o fenômeno.<br />
Voltando-se para a freira responsável pelo Asilo São Vicente, indagou:<br />
— Tem certeza que essa ficha não está errada? É essa mesmo a data em que ela veio para cá?<br />
— Doutor... — respondeu a freira — Quando cheguei aqui, ela já estava neste quarto havia cinco anos... E já estou nesta casa há mais<br />
de dez...<br />
— E sempre nesse estado? — perguntou Adalberto.<br />
— Sempre... Não muda nunca. Nem para pior, nem para melhor... Apenas mexe os lábios e isso faz pensar que, afinal de contas, o<br />
cérebro, ainda que parcialmente, funciona. O que nós<br />
sabemos é que ela sofreu um derrame num cemitério e ficou assim, paralisada, muda, apenas olhando o tempo e o mundo. Estável,<br />
clinicamente. Absolutamente estável.<br />
E, em voz baixa, acrescentou:<br />
— Até parece coisa do Demônio... Ser vítima de um acidente vascular cerebral num cemitério... E ficar sofrendo tantos anos...<br />
Assim dizendo, a freira se persignou e se afastou com os dois médicos para continuar a visita aos outros internados.<br />
No quarto, a velha ficou olhando para o teto, sem mover um só músculo.<br />
Não podia se mexer, não podia falar... Seus lábios, apesar de se moverem de vez em quando, parecendo tentar articular palavras, não<br />
emitiam o menor som.<br />
Mas ela ouvia...<br />
E, naquele momento, estava ouvindo aquela mesma voz...<br />
Uma voz sarcástica que lhe dizia sempre a mesma coisa:<br />
— Aí está... Você não morreu... Não morreu... Não morreu...<br />
F I M<br />
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