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Passou o resto do dia lendo o velho livro, copiando cuidadosamente as partes que a ajudavam a conhecer melhor o Demônio e, muito<br />
satisfeita, descobriu que Satã, com todos os seus poderes, não tem a capacidade de ler os pensamentos. Ele pode fazer até com que<br />
outras pessoas, sob seu domínio, venham a desenvolver esse dom... Mas ele, por si só, jamais consegue ler o que vai pelo interior da<br />
mente de alguém...<br />
Mesmo que esse alguém seja seu súdito.<br />
— Preciso me habituar a não expressar em voz alta o que me vai pela mente — pensou Jeanne — E isso não será nada fácil pois após<br />
ficar tanto tempo sozinha, acabei acostumando a pensar alto!<br />
Mas Jeanne sabia que não pensar alto seria o mais simples. Se tudo o que estivesse naquele livro fosse verdade, lidar com Satã era<br />
muito mais complicado e delicado do que qualquer outra coisa...<br />
Principalmente quando se partia do princípio que o objetivo não era outro senão enganá-lo.<br />
— Mas vou conseguir! — pensou a moça — Não serei como todas as suas vítimas! Pagarei esta primeira parte do pacto e, depois...<br />
Satã pode fazer o que quiser, mas eu hei de me livrar dele! Não vou deixar que ele me domine completamente!<br />
Com redobrada vontade e interesse, voltou ao livro, voltou às suas pesquisas e, à medida que ia compreendendo melhor o que ali<br />
estava escrito, Jeanne ia sorrindo, mais confiante em si mesma, acreditando piamente na realização de seus anseios.<br />
Havia algumas páginas muito estragadas, páginas que ela não conseguia ler. Mas ela não se preocupou com esse detalhe.<br />
— O mais importante está a salvo — pensou — E Satã não conseguirá mais nada comigo! Quero que ele me tire daqui e, depois...<br />
Quero que vá para o Inferno!<br />
Riu consigo mesma da frase que tinha feito e, guardando o livro e suas anotações, foi cuidar da cozinha.<br />
Pela primeira vez em muitas semanas, ela estava com fome e, além disso, com disposição para preparar comida.<br />
Arrumou as panelas de que ia precisar e, no instante em que começava a cortar uma cebola, sentiu a primeira contração.<br />
Segurou o ventre com ambas as mãos e, já cheia de medo, sentiu que a barriga se contraía mais uma vez, de uma maneira ainda<br />
mais dolorosa do que a anterior.<br />
Sentiu que alguma coisa escorria por entre suas pernas e, lembrando-se do que muitas e muitas vezes ouvira dizer, achou que estava<br />
começando a perder água, achou que, de fato, a hora do parto se aproximava.<br />
Cambaleante, sentindo muitas dores, foi para o quarto e deitou-se sobre a cama.<br />
Pareceu-lhe ouvir uma risada mas, como não se repetisse, achou que tinha sido impressão.<br />
As dores continuaram, passaram a se repetir com uma frequência cada vez maior até que Jeanne, esgotada, exausta, adormeceu.<br />
Despertou já bem depois de meia-noite e, com dificuldade, acendeu uma vela.<br />
Não pode deixar de sentir um arrepio de horror ao ver que acendera uma das velas negras, a oitava que preparara, por engano, por<br />
erro de contas...<br />
À luz mortiça da vela, ela se olhou.<br />
Apavorada, notou que não era água o que estava saindo de dentro de seu corpo, mas sim, sangue...<br />
Um sangue vermelho vivo, quente, abundante...<br />
Instintivamente, ela estendeu a mão para a mesinha de cabeceira, em busca de um pano qualquer para se enxugar.<br />
Foi só depois de tê-lo usado quase como um tampão, que Jeanne notou que usara uma camisinha que fizera, em crochê, para seu filho.<br />
Seu filho homem...<br />
Uma camisa de homem, manchada com o sangue desse mesmo homem...<br />
Sentiu uma contração mais forte e a criança nasceu.<br />
Não chorou, não se mexeu.<br />
Estava morta.<br />
Ela dera à luz um menino morto...<br />
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