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Imediatamente, Jeanne relacionou o sonho que tivera durante a noite com o que acontecera e chegou à conclusão de que tudo aquilo<br />
podia muito bem ser obra do Príncipe das Trevas,<br />
unicamente para obrigá-la a ir procurá-lo.<br />
Sacudiu a cabeça negativamente e disse, sabendo que, uma vez que ela estava falando em voz alta, Satã poderia ouvi-la:<br />
Não! Não vou procurá-lo! Não quero ser sua escrava e nem mesmo sua discípula!<br />
Assim dizendo, foi para o banheiro tomar uma ducha, imaginando que isso seria um ótimo remédio para o nervosismo que a possuía.<br />
Se Jeanne pensava que depois do banho iria se sentir bem e com disposição para sair à rua e tentar conseguir alguma coisa junto à<br />
diretoria do Banco ou, que fosse, através de advogados, estava muito enganada.<br />
Continuou a se sentir muito mal, andando de um lado para o outro pelo apartamento, atrapalhando o serviço da empregada e<br />
fazendo com que esta, por sua vez, ficasse preocupada com a sua estabilidade no emprego.<br />
Ouvira a patroa dizer que estava sem dinheiro, ouvira no rádio da cozinha a notícia sobre o Banco e, sem muito esforço concluiu que<br />
o melhor que teria a fazer era tratar de ir embora, era aceitar aquele emprego que uma conhecida de Jeanne lhe oferecera às<br />
escondidas e...<br />
Pelo menos garantiria o salário do mês.<br />
A patroa, com certeza, ainda tinha algum dinheiro em casa, pelo menos o suficiente para lhe pagar os dias trabalhados e, depois do<br />
almoço, ela se faria ao largo, em busca de portos mais seguros e mais garantidos contra essas intempéries financeiras.<br />
Falou para Jeanne suas intenções e chegou a ficar surpresa ao ver que a francesa, muito ao contrário do que esperava, nada disse.<br />
Pareceu-lhe até que Jeanne ficara satisfeita com a notícia.<br />
— Sem dúvida — pensou a empregada — a situação deve estar muito ruim... Para uma mulher como Jeanne resolver que é melhor<br />
ficar sem empregada... É sinal de que não está podendo pagar nada, mesmo!<br />
O restante do dia foi um acúmulo de reveses assustador.<br />
Perdeu o relógio, um automóvel respingou-lhe água no vestido, discutiu com o zelador do edifício, não conseguiu falar com ninguém<br />
e, para culminar, à noitinha, quando ligou para Regina, uma jovem senhora que considerava como sendo sua amiga, teve o desprazer<br />
de ouvi-la dizer, ao lhe contar suas desventuras:<br />
— Isso não me espanta... As andorinhas aventureiras sempre acabam do mesmo jeito... Quando chega o inverno, as que não se<br />
mudam para climas melhores e mais propícios, acabam sucumbindo de fome e de frio...<br />
— O que está querendo dizer com isso, Regina? — perguntou Jeanne, chocada — Está insinuando que eu seja...<br />
— Uma aventureira? — interrompeu a outra com uma risada — Não, Jeanne... Não estou insinuando. Estou, simplesmente dizendo,<br />
afirmando... Você é uma aventureira que não mede esforços para vencer... Isso até seria muito bonito e muito louvável se você fizesse<br />
uso de métodos decentes! Mas é justamente o contrário! Você não está se incomodando com nada, não liga para a moral, não se<br />
preocupa com a felicidade das outras pessoas, principalmente com a daquelas que você precisa massacrar para poder subir um degrau.<br />
Antes que Jeanne tivesse tempo de contestar, Regina prosseguiu:<br />
— Eu aprendi a conhecê-la, Jeanne... E não pense que sou uma ingênua para não perceber como você se insinuou para o meu<br />
marido... Aproveitou que uma tarde, quando eu ainda não imaginava a víbora que se esconde por trás desse seu sorriso e desses seus<br />
olhos azuis cheios de falsa meiguice, em que lhe contei que minha vida conjugal não estava indo às mil maravilhas... Aproveitou-se de<br />
minha fraqueza e, imediatamente, começou a procurar Roberto em seu trabalho... Como quem não quer nada, como se fosse mera<br />
coincidência você aparecer lá à hora do almoço comentando que detesta ser obrigada a almoçar sozinha... Você tentou, Jeanne... Só<br />
não conseguiu por que se esqueceu que os casamentos têm crises como qualquer outro relacionamento inter-humano... Mas, no<br />
casamento, quanto ele é verdadeiro, existe algo mais. Existe o amor. E é esse amor que faz com que os matrimônios perdurem, vençam<br />
dificuldades e obstáculos à felicidade como você!<br />
E, com um tom irônico na voz, ela completou:<br />
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