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para que todas as portas lhe sejam fechadas. Isolada de tudo e de todos, você terá de voltar para França ou, então, explicar para<br />
muita gente por que sempre assinou Jeanne Camargo ao invés de assinar Jeanne Hoche, como deveria ser.<br />
*******<br />
Jeanne desligou o telefone furiosa.<br />
Nos últimos anos, ela se acostumara a ver Tomás ceder em tudo e não discutir ou contestar suas decisões. Por isso, ela estava<br />
achando muito estranho que ele estivesse agindo assim, de maneira tão... independente. Não lhe passou pela cabeça que Tomás<br />
sempre fora dessa<br />
maneira, um homem ativo, independente em seus atos e capaz de tomar decisões por si só, sem a necessidade de consultar ninguém<br />
e muito menos ela, Jeanne, que no fundo não tinha conhecimento de nada e que agia por impulso, movida por uma intuição sem dúvida<br />
bastante acurada mas que, no frigir dos ovos, carecia por completo de qualquer embasamento.<br />
Para Jeanne, em sua mente doentia de tanta ambição pelo poder, Tomás tinha sido transformado por ela num fantoche e deveria<br />
continuar como tal até o final dos tempos...<br />
Era por isso que não compreendia e não aceitava o novo comportamento do marido e vê-lo hastear com tamanha galhardia a sua<br />
bandeira da liberdade, a irritava. Mas, se ficava irritada com isso, o fato de não ter sido avisada por Satã a enfurecia.<br />
— Ele não podia ter feito isso comigo! — exclamou em voz alta — Não tinha o direito de me enganar dessa forma!<br />
Um pouco contra seus hábitos, ela se dirigiu ao barzinho da sala e serviu-se de uma generosa dose de uísque, achando que um pouco<br />
de álcool poderia acalmá-la.<br />
Já mais controlada e novamente dona de sua capacidade de raciocínio, Jeanne começou a refletir sobre tudo o que lhe estava<br />
acontecendo nos últimos meses.<br />
Em primeiro lugar, ela foi obrigada a reconhecer que sua vida não estava indo tão bem assim. Havia muitas coisas que ela tinha<br />
desejado e não conseguira, como por exemplo, ser eleita presidente daquela sociedade de assistência a crianças excepcionais. Não que<br />
ela estivesse lutando por essas pobres crianças. Na verdade, a sorte e o destino delas em nada tocavam o coração empedernido de<br />
Jeanne. Ela ambicionava o cargo pura e simplesmente por que ele lhe daria mais respeitabilidade, mais “status” junto às outras<br />
senhoras da sociedade paulistana e, o que era melhor, faria com que, com mais frequência, ela aparecesse nas colunas sociais. Ela não<br />
conseguira nem sequer ser indicada como candidata... E, quando pedira a Satã para que a ajudasse, ele simplesmente rira, desaparecera<br />
em uma nuvem fétida de fumaça e nada fizera.<br />
Em segundo lugar, havia a preocupação com a diminuição sensível das visitas amorosas do Príncipe das Trevas...<br />
Antes, quase que semanalmente, Satã aparecia para satisfazer seus desejos, para deixá-la derreada de tanto prazer. Mas, isso também<br />
parara de acontecer e, nos últimos três ou quatro anos, Jeanne podia contar nos dedos as vezes que ele se dignara satisfazê-la.<br />
Com uma ruga de preocupação na testa, levantou-se da poltrona em que estava sentada e foi até o grande espelho de seu quarto.<br />
Olhou-se com atenção e espírito crítico.<br />
De fato, ela não podia dizer que a imagem lhe causava o mesmo efeito de dez anos atrás...<br />
Seu rosto estava mais crispado, seus lábios muito mais finos e começando a mostrar pequenas ruga. Os olhos, muito mais frios, não<br />
conseguiam, mesmo que ela quisesse, dar a impressão de meiguice e de compreensão que antigamente Jeanne sabia tão bem fingir...<br />
Com a ponta dos dedos, ela esticou um pouco a pele das pálpebras tentando fazer desaparecer as rugas que já se faziam<br />
desagradavelmente presentes. O nariz também parecia mais afilado, talvez até um pouco mais adunco...<br />
Passou a mão pelos cabelos.<br />
Sim...<br />
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