A construção de um projeto de educação bilíngue para
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Eu não falo da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> surda, senão das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s surdas (...) Não<br />
estou falando <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mulher surda, <strong>de</strong> homem surdo, negro e<br />
branco, etc. Estou falando <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s militantes, <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
movimentos sociais, i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s ouvintes-surdas. Surge muita confusão<br />
quando pensamos que existe <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> surda que se opõe a <strong>um</strong>a<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> ouvinte. Preocupa-me esse tratamento que damos ao termo<br />
“i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>”. Eu prefiro falar no plural, porque parece, quando isso não é<br />
feito, que não damos o direito a que eles tenham “múltiplas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s”<br />
e, assim, homogeneizar outra vez o grupo <strong>de</strong> surdos como se eles<br />
tivessem <strong>um</strong>a só i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> surda. Não. Isso nos leva a<br />
discutir que existe <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> ouvinte, e aí per<strong>de</strong>mos toda a<br />
possibilida<strong>de</strong> racional <strong>de</strong> discussão 114 .<br />
Porém, ainda que possamos encontrar <strong>um</strong> consenso a respeito da produção <strong>de</strong><br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s múltiplas e multifacetadas, o mesmo não se dá quando o assunto é a existência<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong>a cultura surda. No enten<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Ciccone (1997, p.4)<br />
(...) não existe <strong>um</strong>a “cultura <strong>de</strong> ouvintes” ou <strong>um</strong>a “cultura <strong>de</strong> surdos” em<br />
nossas socieda<strong>de</strong>s pós-mo<strong>de</strong>rnas, industrializadas e urbanas. Existem,<br />
sim, diversificados membros em diversificados grupos que convivem se<br />
articulando sempre reciprocamente.<br />
Skliar apresenta <strong>um</strong> olhar diferente <strong>de</strong> Ciccone (1997), <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a existência da<br />
cultura surda sob <strong>um</strong>a ótica multicultural, ou seja, a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong> olhar <strong>de</strong> cada cultura em<br />
sua própria lógica, em sua historicida<strong>de</strong>, em seus próprios processos e produções.<br />
Em entrevista 115 à autora relembra como foi impactante <strong>para</strong> <strong>um</strong> grupo <strong>de</strong> agentes<br />
escolares do INES enten<strong>de</strong>r (ou aceitar) a existência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a cultura surda:<br />
(...) a cultura não é <strong>um</strong>a questão natural, não é dada porque eles são<br />
surdos, você precisa <strong>de</strong> <strong>um</strong>a comunida<strong>de</strong>, você precisa <strong>de</strong> <strong>um</strong>a história<br />
pedagógica, você precisa <strong>de</strong> associações, precisa <strong>de</strong> muitas coisas <strong>para</strong><br />
chamar isso <strong>de</strong> cultura e é verda<strong>de</strong> que muitas regiões não têm nem<br />
comunida<strong>de</strong> então não tem nem como falar <strong>de</strong> cultura surda... Eu tentei<br />
explicar isso também, que a cultura não é <strong>um</strong> fato natural, a cultura dos<br />
surdos <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da história da comunida<strong>de</strong> n<strong>um</strong> lugar especifico. Então<br />
era muito difícil falar da cultura automática, dois surdos se juntam e já<br />
tem cultura, mas na época era revolucionário porque as pessoas estavam<br />
falando da <strong>de</strong>ficiência auditiva, você falava <strong>de</strong> <strong>um</strong>a comunida<strong>de</strong><br />
diferente, falava <strong>de</strong> <strong>um</strong>a cultura e muitos te olhavam dizendo “maluco,<br />
maluco”... Mas a cultura, eu acho que também é <strong>um</strong>a questão <strong>de</strong> crenças<br />
(...).<br />
Nesse sentido, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>projeto</strong> político <strong>para</strong> surdos em que se construa <strong>um</strong><br />
currículo multicultural crítico no qual a língua <strong>de</strong> sinais tenha papel <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque <strong>para</strong> a<br />
<strong>construção</strong> da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e da cultura surda e que compreenda as representações <strong>de</strong> raça,<br />
classe e gênero como fruto <strong>de</strong> lutas sociais.<br />
114<br />
Esse trecho, <strong>de</strong> autoria <strong>de</strong> Carlos Skliar, foi capturado em sua reunião <strong>de</strong> consultoria dada no INES em 24<br />
<strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1998 (p.11).<br />
115<br />
Esta entrevista, dada por Carlos Skliar à autora, ocorreu em 11 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2011.<br />
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