Discursos Racialistas em Pedro Calmon - 1922/33 - Programa de ...
Discursos Racialistas em Pedro Calmon - 1922/33 - Programa de ...
Discursos Racialistas em Pedro Calmon - 1922/33 - Programa de ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
114<br />
continente africano que, paulatinamente, e quase s<strong>em</strong> controle, começavam a<br />
compor e a <strong>de</strong>finir os contornos essenciais da socieda<strong>de</strong> e da cultura baiana. 58<br />
Neste contexto, compreen<strong>de</strong>-se as representações <strong>de</strong> nagôs e malês contidas no<br />
romance. Se os malês, ainda que <strong>de</strong>rrotados – ou talvez, por isso mesmo - mereceram<br />
algum tipo <strong>de</strong> distinção elogiosa, o contrário ocorrerá com os nagôs. Afinal, <strong>em</strong> plena<br />
campanha anti-Candomblé, a herança <strong>de</strong>stes africanos se mostrava muito viva e<br />
barulhenta, e persistia tal qual um boneco “João Teimoso”, na analogia feita pelo jornalista<br />
do A TARDE:<br />
O 'candomblé' é ainda uma instituição na Bahia. Dir-se-ia que ele t<strong>em</strong> parentesco<br />
com esses bonecos teimosos, que não ficam nunca <strong>de</strong>itados, a não ser se a gente<br />
os obrigue, à força. Porque o candomblé tanto [sic] que a policia <strong>de</strong>svia <strong>de</strong>le a<br />
sua mão repressora, surge, <strong>de</strong> novo a acordar os ecos com a bonilheira infernal<br />
dos seus ritos nagôs. 59<br />
Era exatamente oposto ao que ocorrera ao legado malê – que, com a digna morte <strong>de</strong><br />
seus chefes, teria <strong>de</strong>saparecido <strong>de</strong> forma elegante da lista <strong>de</strong> probl<strong>em</strong>as das classes<br />
dirigentes. No capítulo “Os Deuses Maus”, posto imediatamente <strong>de</strong>pois das <strong>de</strong>scrições <strong>de</strong><br />
um elegante baile aristocrático 60 , o autor exibe uma cerimônia <strong>de</strong> Candomblé, gerenciada<br />
pelo pai <strong>de</strong> santo José dos Milagres – <strong>de</strong>scrito como “o feiticeiro que governava a orgia” 61 -<br />
on<strong>de</strong> se revelaria a pessoa escolhida pelos orixás para iniciar a matança do levante <strong>de</strong> 1835.<br />
A escolhida, Luiza Mahim, surge carregando os estigmas associados aos negros na<br />
58<br />
BRAGA, Júlio. Na Gamela do Feitiço: repressão e resistência nos candomblés da Bahia. Salvador:<br />
EDUFBA, 1995. p.152.<br />
59<br />
A TARDE. Salvador, 12 nov. 1926. Apud LÜHNING, Ângela. “Acabe com este santo, Pedrito v<strong>em</strong> aí...<br />
Mito e realida<strong>de</strong> da perseguição policial ao candomblé baiano entre 1920-1945”. In: REVISTA USP, n.28,<br />
1995/6.<br />
60<br />
A opção estética <strong>de</strong> organização <strong>de</strong> Malês expressa a intenção do autor <strong>em</strong> marcar as diferenças entre a<br />
cultura branca aristocrática e a cultura “selvag<strong>em</strong>” africana, o que é reconhecido e prontamente negado por<br />
C. Chiacchio, comprovando a eficácia da contraposição: “[...] situa a rebentina <strong>de</strong>sarticulada dos pretos num<br />
ambiente luzido <strong>de</strong> vestidos caros e casacos talhados <strong>em</strong> Paris. O contraste dos hábitos <strong>de</strong> salão, on<strong>de</strong><br />
ressoavam as musicas <strong>de</strong> Schubert e os costumes das alfurjas negreiras, on<strong>de</strong> trepidavam os atabaques <strong>de</strong><br />
Oxum, todo esse cuidado, s<strong>em</strong> pr<strong>em</strong>editação antitética, <strong>de</strong> opor no mesmo plano novelesco, as gentes <strong>de</strong><br />
linhag<strong>em</strong> diametralmente contrárias, faz do romance um verda<strong>de</strong>iro quadro reconstitutivo do hom<strong>em</strong> e da<br />
terra, naqueles recuados t<strong>em</strong>pos da nossa história.” Cf: CHIACCHIO, Carlos. “<strong>Pedro</strong> <strong>Calmon</strong>, o historiador e<br />
o novelista”. In: A TARDE. Salvador, 27 <strong>de</strong> abr. 19<strong>33</strong>.<br />
61<br />
Malês, p.27.