Discursos Racialistas em Pedro Calmon - 1922/33 - Programa de ...

Não me impressionam, nem os augures científicos, arautos de megalomanias étnicas, que a
realidade se encarrega, dia a dia, de dissipar duramente, nem a grita descompassada dos
ódios.
Trata-se de um problema de história, para cuja solução contribui um grupo de ciências
afins, de criação recente. É à luz desses elementos que devemos encarar a questão, antes de
oferecer o pescoço à canga dos capitães de mato, que, como o da gravura de Rugedas, nos
querem levar como escravos fugidos para as senzalas da antropologia. 70 [grifos meus]
A cólera do jurista evidencia a sua revolta pela condenação do futuro do Brasil
anunciado por uma antropologia desqualificadora do mestiço. Em sua alusão à senzala,
conclama a rebelião contra o cativeiro que uma ciência nova tentava impingir ao processo
histórico da nação, negando-lhe lugar na civilização por conta da origem miscigenada da
população. A voz de Baptista Pereira encontrava eco entre outros letrados que, diante da
realidade mestiça evidente no cotidiano das ruas, queriam uma solução mais imediata para
a questão. O país era mestiço, e não havia como negar esta evidência já tão clara desde o
século XIX, como observou o viajante francês Alcide D´Orbigny. Ao passar pelo Rio de
Janeiro, encontrou o visitante “um espetáculo de população de cor” que, para seus olhos,
parecia “uniforme” – apesar de variarem “em todos os tons possíveis, do preto ao branco”
– mas que definitivamente todos se assemelhavam muito, a ponto de ser praticamente
“impossível distinguir uma pessoa de outra” 71 .
Diante da necessidade emergente de se conviver com a mestiçagem, Pedro Calmon
contribuiu com uma saída positiva para a questão. Ao apresentar uma história de
civilização forjada por um povo mestiço, que adquiriu suas feições no século XVII e
elaborou uma “sociedade média”, composta por um “indivíduo médio” - resultado das
interações entre o branco, o negro e o índio – mostrou que ela foi capaz de construir uma
70 PEREIRA, Baptista. O Brasil e a Raça. Conferência feita na Faculdade de Direito de São Paulo a 19 de
junho de 1928. São Paulo: Rossetti Ltda, 1928. p.34-5. Ver: SLENES, Robert Wayne Andrew . “As
Provações de Um Abraão Africano: a Nascente Nação Brasileira na Viagem Alegorica de Johann Moritz
Rugendas”. REVISTA DE HISTORIA DA ARTE E ARQUEOLOGIA, Campinas, SP, v. 2, 1996. p. 271-94.
71 D´ORBIGNY, Alcide. Voyage dans l'Amérique Méridionale. Paris: P. Bertrand; Strasbourg: Veuve
Levrault, 1835. Tomo I, p.21. Disponível em Gallica – Bibliothèque Numèrique de la Bibliothèque
Nacionale de France em: http://visualiseur.bnf.fr/Visualiseur?Destination=Gallica&O=NUMM-97855 -
Acessado em 20 ago 2005.
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