Discursos Racialistas em Pedro Calmon - 1922/33 - Programa de ...
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Além <strong>de</strong> exibir<strong>em</strong> os signos da “bárbara” religiosida<strong>de</strong> afro-brasileira, os terreiros e<br />
as famílias <strong>de</strong> santo se constituíam <strong>em</strong> espaços <strong>de</strong> resistência, socialização e construção <strong>de</strong><br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> negra. Diferent<strong>em</strong>ente da imag<strong>em</strong> divulgada pela imprensa, ali não haviam<br />
“almas fracas” ou “cegueira mental”. Eram espaços que, durante a década <strong>de</strong> 1930,<br />
organizavam-se ao mesmo t<strong>em</strong>po que os sindicatos, patrocinando o estreitamento <strong>de</strong> laços<br />
que propiciavam a organização <strong>de</strong> mecanismos e estratégias <strong>de</strong> resistência cultural e<br />
afirmação política 101 . Também por essas razões sofreram combate pelas classes dirigentes.<br />
<strong>Pedro</strong> <strong>Calmon</strong> reflete <strong>em</strong> Malês esta oposição, principalmente através dos seus<br />
personagens nagôs e, <strong>em</strong> especial, o pai <strong>de</strong> santo José dos Milagres – sacerdote <strong>de</strong>spido <strong>de</strong><br />
qualquer dignida<strong>de</strong> ou elogio. Estes personagens evi<strong>de</strong>nciam o seu comprometimento com<br />
o projeto das classes dominantes, e esclarece a sua posição acerca da contribuição do negro<br />
para a construção do caráter nacional. Ao construir personagens africanos que “pretendiam<br />
afogar <strong>em</strong> sangue a socieda<strong>de</strong> organizada” 102 , ao retratá-los como animais ou seres<br />
humanos selvagens, <strong>Pedro</strong> <strong>Calmon</strong> encampou o mesmo discurso expresso nos jornais <strong>de</strong><br />
sua época, marcado pela <strong>de</strong>squalificação aos ex-escravos e seus <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes. A sua<br />
mensag<strong>em</strong> po<strong>de</strong> ser facilmente codificada pelos seus leitores da época, que preench<strong>em</strong> os<br />
espaços vazios da ficção a partir <strong>de</strong> referências próprias, extraídas do cotidiano, das<br />
experiências <strong>de</strong> vida 103 . Na nação i<strong>de</strong>al, só haveria espaço para os <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong><br />
escravos que se a<strong>de</strong>quass<strong>em</strong> aos ditames da “civilização” que os homens brancos os queria<br />
101 Cf.: LIMA, Vivaldo da Costa. O Candomblé da Bahia na década <strong>de</strong> trinta. In: OLIVEIRA, Waldir Freitas;<br />
LIMA, Vivaldo da C. L. (orgs.); CARNEIRO, Édison. Cartas <strong>de</strong> Édison Carneiro a Artur Ramos: <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong><br />
Janeiro <strong>de</strong> 1936 a 6 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1938. São Paulo: Corrupio, 1987. p.39; Cf.: BRAGA, Júlio. Na<br />
gamela do feitiço: repressão e resistência nos candomblés da Bahia. Salvador: EDUFBA, 1995.<br />
102 Malês, p.69.<br />
103 Para Umberto Eco os leitores, <strong>em</strong> qualquer narrativa literária, se constitu<strong>em</strong> <strong>em</strong> ingredientes fundamentais<br />
da obra, ao completar<strong>em</strong> as lacunas fatalmente <strong>de</strong>ixadas pelo escritor, que nunca consegue apresentar na<br />
ficção as multiplicida<strong>de</strong>s dos acontecimentos e personagens que habitam o mundo por ele criado. Cf.: ECO,<br />
Umberto. Entrando no Bosque. Seis Passeios pelos Bosques da Ficção. São Paulo: Cia das Letras, 1994.<br />
p.7-9.<br />
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