Discursos Racialistas em Pedro Calmon - 1922/33 - Programa de ...
Discursos Racialistas em Pedro Calmon - 1922/33 - Programa de ...
Discursos Racialistas em Pedro Calmon - 1922/33 - Programa de ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
intelectualizadas, seguia os mol<strong>de</strong>s que a imprensa utilizava para caracterizar o Candomblé<br />
<strong>de</strong> forma negativa, apoiando as ativida<strong>de</strong>s repressivas do Estado. Esta situação já<br />
perdurava <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os finais do século XIX, quando Nina Rodrigues criticava o apoio da<br />
imprensa às ações policiais contra os terreiros:<br />
120<br />
Não é menos para lamentar que a imprensa local revele, entre nós, a mesma <strong>de</strong>sorientação<br />
no modo <strong>de</strong> tratar o assunto, pregando e propagando a crença <strong>de</strong> que o sabre do soldado <strong>de</strong><br />
polícia boçal e a estúpida violência <strong>de</strong> comissários policiais igualmente ignorantes hão <strong>de</strong><br />
ter maior dose <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong> catequista, mais eficácia como instrumento <strong>de</strong> conversão religiosa<br />
do que teve o azorrague dos feitores. 74<br />
Inserido neste ânimo, inspirado <strong>em</strong> “estúpida violência <strong>de</strong> comissários policiais”,<br />
<strong>Pedro</strong> <strong>Calmon</strong> promove a “varejada” no terreiro <strong>de</strong> Pai José dos Milagres. Ainda o <strong>de</strong>stina<br />
um fim nada nobre que, comparado à morte dos chefes malês, foi simplesmente patética e<br />
bestial, <strong>de</strong> modo mais condizente à sua cultura – ou melhor, ao discurso <strong>de</strong> <strong>de</strong>squalificação<br />
do Candomblé e ao seu combate. Na gran<strong>de</strong> noite do levante, o pai <strong>de</strong> santo, mostrando-se<br />
s<strong>em</strong>pre estúpido, e s<strong>em</strong> serventia para a peleja, perambula <strong>em</strong> passos trôpegos pela cida<strong>de</strong>,<br />
enquanto os outros africanos se <strong>em</strong>penhavam na luta:<br />
O mandingueiro, pelo meio da noite, quando os tiros acordaram num pavor a cida<strong>de</strong> baixa,<br />
perambulava á toa pelo Largo da Saú<strong>de</strong>. Bebera d<strong>em</strong>asiado. Pesava-lhe a cabeça, que<br />
oscilava num equilíbrio precário; as pernas tr<strong>em</strong>iam, moles, e <strong>de</strong>sconcertavam-lhe o passo<br />
trôpego; sua fisionomia, com a expressão banal da <strong>em</strong>briaguez, per<strong>de</strong>ra a ferocida<strong>de</strong><br />
costumeira, e não conservara um só traço da antiga vivacida<strong>de</strong>.<br />
Dir-se-ia que a consciência honesta, ha muito t<strong>em</strong>po adormecida, <strong>de</strong>sapertara <strong>de</strong> súbito<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>le, e o r<strong>em</strong>orso <strong>de</strong>svairara-o. Ou então a cachaça o endoi<strong>de</strong>cera – porque parecia<br />
<strong>de</strong>sm<strong>em</strong>oriado, s<strong>em</strong> nenhum papel que <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhar nessa noite aflita, vadio e inútil.<br />
A barba rala, que se lhe esfiava no queixo longo, como que se aguçava mais no trejeito<br />
estr<strong>em</strong>unhado da borracheira. Os beiços ume<strong>de</strong>cidos espumavam. Os olhos, afogueados,<br />
queriam fechar – e as mãos gran<strong>de</strong>s, calosas, engelhadas, tateavam no espaço um ponto <strong>de</strong><br />
apoio. Por vezes, dizia alguma palavra, que se não po<strong>de</strong>ria saber se era g<strong>em</strong>ido ou<br />
blasfêmia. A cabeça grisalha ao relento, o seu passo incerto <strong>de</strong> ébrio, a pontuda barbicha<br />
que o vento esfarelava, a baba que lhe fervia nos cantos da boca – fariam que a ronda o<br />
tomasse por um mendigo tonto, s<strong>em</strong> teto e s<strong>em</strong> pão. [ Malês, p.98, grifos meus]<br />
74 RODRIGUES, Nina. Os Africanos no Brasil. 6 a . ed., São Paulo: Ed. Nacional; Brasília: Ed. UnB, 1982.<br />
p. 239.