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Discursos Racialistas em Pedro Calmon - 1922/33 - Programa de ...

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Pai José, com seu “vulto ossudo e retinto” 75 estava muito longe da figura da<br />

“corpulência <strong>de</strong> gigantes” 76 dos chefes malês. Na trama <strong>de</strong> <strong>Pedro</strong> <strong>Calmon</strong>, ele é largado à<br />

sua própria ignorância e <strong>em</strong>briaguez. Enquanto os outros negros lutavam, ele - lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />

uma “seita” ignóbil, “brutal superstição dos feiticeiros d’África” 77 - enfrentava os<br />

fantasmas do passado, <strong>em</strong> visões alucinógenas, e golpeava o ar tentando atingi-los, com<br />

uma faca que “trazia colada à carne, por baixo dos molambos da blusa” 78 , como <strong>de</strong>screveu<br />

o autor. Entregue a esta confusão <strong>de</strong> idéias, sofreu o que <strong>Pedro</strong> <strong>Calmon</strong> chamou <strong>de</strong><br />

“inevitável”:<br />

121<br />

Ninguém notou o velho bêbedo, <strong>de</strong> faca na mão, golpeava no ar um fantasma, que lhe fugia.<br />

Pareceu, assim doido <strong>de</strong> todo, um ruim “malê” que vendia caro a vida. Com furiosa<br />

cutilada, abateu-o um sargento. A espada fen<strong>de</strong>u-lhe o crânio, e o sangue lhe <strong>de</strong>senrolou<br />

sobre a garofinha grisalha e os ombros ossudos um lençol encarnado. Tombou s<strong>em</strong> um<br />

grito, pesadamente, <strong>de</strong> borco, os longos braços magros estendidos, a barbicha espetando, os<br />

olhos úmidos estuporados... Ainda <strong>de</strong> encontro á terra, mor<strong>de</strong>ndo-a, os seus <strong>de</strong>ntes<br />

rangeram. As unhas arranharam o chão e, após violento estertor – acabou ali, como fera<br />

monteada [Malês, p.101, grifos meus]<br />

Abatido como gado, morre o babalorixá s<strong>em</strong> o mesmo glamour dos chefes malês,<br />

comparados a antigos cavaleiros. Diferent<strong>em</strong>ente <strong>de</strong>stes, não morreu heroicamente na luta.<br />

Seu <strong>de</strong>saparecimento na narrativa é dado assim, s<strong>em</strong> nenhum sentido <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong>. Acabou<br />

ali, como fera monteada. Afinal, para <strong>Pedro</strong> <strong>Calmon</strong> e os doutos brancos e intelectuais <strong>de</strong><br />

seu t<strong>em</strong>, ele era um nagô, candomblezeiro, ignorante, e conseqüent<strong>em</strong>ente, <strong>de</strong> pouco<br />

valor 79 . Mesmo os outros nagôs que participaram da luta naquela noite do levante,<br />

inevitavelmente reproduziram essas características que, fazia crer o autor, eram inerentes a<br />

esta nação. Por isso que no enredo, quando o promotor Ângelo Ferraz vê-se <strong>em</strong> perigo nas<br />

ruas daquela fatídica noite, cercado por nagôs, percebeu que, apesar da <strong>de</strong>svantag<strong>em</strong><br />

75 Malês, p.27.<br />

76 Ibid., p.40.<br />

77 Ibid., p.26.<br />

78 Ibid., p.101.<br />

79 Ver: SAMPAIO, Gabriela dos Reis. “Majesta<strong>de</strong>s do oculto: imagens <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>res religiosos negros na<br />

literatura dos oitocentos no Brasil”. In: BELLINI, SALLES e SAMPAIO (orgs). Formas <strong>de</strong> Crer: ensaios<br />

<strong>de</strong> história religiosa do mundo luso-afro-brasileiro, séculos XVI-XXI. Salvador: EDUFBA, 2006.

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