15.05.2013 Views

Discursos Racialistas em Pedro Calmon - 1922/33 - Programa de ...

Discursos Racialistas em Pedro Calmon - 1922/33 - Programa de ...

Discursos Racialistas em Pedro Calmon - 1922/33 - Programa de ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

próprio autor logo se pa<strong>de</strong>ce da pobre Mãe Preta, e externa sua consciência acerca do real<br />

sofrimento a que era ela submetida:<br />

Mártires, miseráveis mulheres a qu<strong>em</strong> se não dava o direito <strong>de</strong> sentir e <strong>de</strong> querer,<br />

<strong>de</strong>sgraçadinhas <strong>de</strong> cujo imenso coração sugava a família senhoril toda a afetivida<strong>de</strong> como<br />

sorv<strong>em</strong> as abelhas forrageiras o néctar das flores, simbolizam nas tradições brasileiras a<br />

resignação que redime e santifica. Muitas, que sofreram, penaram, morreram, e nos<br />

velhos engenhos do meu norte on<strong>de</strong> correram mais lentos os rios e a sabiá saúda – turaniano<br />

das selvas – o sol que agoniza, quantas que se finará velhinhas s<strong>em</strong> lar e s<strong>em</strong> esmola, não<br />

mereceram figurar no hagiológio e resplan<strong>de</strong>cer <strong>em</strong> altares! 95 [grifos meus]<br />

Ela sofria, e era antes uma “<strong>de</strong>sgraçadinha” que uma mulher-máquina que<br />

“alimentava com mais amor os entezinhos que lhe mandavam amar...” Os seus tristes<br />

<strong>de</strong>sígnios, oriundos da condição escrava, pod<strong>em</strong> então adquirir proporções simbólicas mais<br />

amplas, representando o infortúnio <strong>de</strong> todos os seus irmãos <strong>de</strong> cor escravizados 96 .<br />

A Mãe Preta correspondia à imag<strong>em</strong> i<strong>de</strong>alizada <strong>de</strong> nutriz, “ama <strong>de</strong> leite da pátria”,<br />

como quis <strong>Pedro</strong> <strong>Calmon</strong> e muitos <strong>de</strong> seu t<strong>em</strong>po. O apelo <strong>de</strong> sua imag<strong>em</strong> erigida sob os<br />

(pré)conceitos dos her<strong>de</strong>iros da aristocracia escrava tornavam-na submissa à escravidão <strong>de</strong><br />

uma m<strong>em</strong>ória maculada. A Mãe Preta foi uma só, mas muitas houveram reunidas sob a<br />

estereotipag<strong>em</strong> <strong>de</strong> uma escrava, mulher negra, abnegada e dócil. <strong>Pedro</strong> <strong>Calmon</strong> as cita,<br />

incluindo <strong>em</strong> seu rol a rebel<strong>de</strong> Luiza Mahim, sua “Jeanne d’Arc africana”:<br />

Castro Alves, por primeiro, va no mol<strong>de</strong> ciclópico do seu verso o bronze can<strong>de</strong>nte <strong>de</strong><br />

uma glorificação: cantou Maria, a mulatinha bonita, dos longos cabelos e do olhar fatal, e o<br />

astro pôs uma braçada <strong>de</strong> flores na sepultura rasa e anônima da escrava. Luís Gama, filho<br />

<strong>de</strong>la, não a esqueceu nunca – a bela crioula da Bahia [Luiza Mahim], talvez da Líbia rainha,<br />

que ocupa na história trágica dos levantes <strong>de</strong> negros um papel misterioso e vago <strong>de</strong> Jeanne<br />

d´Arc africana... Renegara-a Domingos Caldas Barbosa, nascido num navio negreiro, ao<br />

<strong>em</strong>balo mole da onda, e quando mais o vento soluçava nas enxárcias sonoras... Mas o<br />

abolicionismo caiu <strong>de</strong> joelhos diante <strong>de</strong>la. D. <strong>Pedro</strong> II tivera a sua “mãe preta”. Os anos<br />

passaram. Outros t<strong>em</strong>pos, outros costumes... Já os filhos dos ricos, ao nascer<strong>em</strong>, não são<br />

confiados à seiva sã <strong>de</strong> uma rija negra da fazenda... A ama <strong>de</strong> leite cativa, saindo da vida<br />

real, entrou para a vida histórica. A sociologia filhou-a, para estudá-la e julgá-la; a<br />

crônica reteve-a, para fantasiá-la e explicá-la: o romance lhe tomou a lealda<strong>de</strong> a<br />

canção lhe aproveitou a meiguice, a lenda fez do seu carinho um berço d´oiro, <strong>em</strong> que<br />

todas as crianças sonham dormir. Agora cogitamos erigir sua estátua. 97 [grifos meus]<br />

95 CALMON, <strong>Pedro</strong>. “Mãe Preta”. In: GAZETA DE NOTÍCIAS (RJ), 13 abr 1926.<br />

96 Ver: GRAHAM, Sandra. Proteção e obediência: criadas e seus patrões no Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1860-1910. São<br />

Paulo: Cia das Letras, 1992; SEGATO, Rita. “O Édipo Brasileiro: a dupla negaçao <strong>de</strong> gênero e raça”. In:<br />

SÉRIE ANTROPOLOGIA, 400, Brasília: UNB, 2006.<br />

97 CALMON, <strong>Pedro</strong>. “Mãe Preta”. In: GAZETA DE NOTÍCIAS (RJ), 13 abr 1926.<br />

48

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!