Discursos Racialistas em Pedro Calmon - 1922/33 - Programa de ...

toda indígena (a sucção das feridas para expelir o mal, o emprego de inúmeras ervas, as
mezinhas). Do índio, tem o sertanejo a natural imprevidência, a resignação, a incapacidade
para a poupança. A sua industria caseira (balaios, esteiras, tecidos de algodão que as
mulheres fiam, a cerâmica de barro) é indígena. Conserva do índio a atitude habitual de
descanso, de cócoras, a maneira de trazerem as mães os filhos às costas, o jeito de
desbravarem o mato e descobrir-lhe as veredas. Comem na «cuia», guardam as reservas no
«giráu», «defumam» os legumes como os tupis o faziam no século I; e a modo destes, não
bebem quando fazem as refeições. [HCB, p.28].
Surpreende esta redução da presença indígena na identidade nacional, restringindo-
a aos modos do homem do interior, justo após a afirmação de que os portugueses teriam se
indianizado. Ao procurar pelas evidências da cultura indígena na realidade brasileira,
Pedro Calmon só conseguiu percebê-las através do sertanejo. Vale lembrar que desde os
anos 1920 o índio contava com muito poucos indivíduos que os pudessem representar. No
total da população brasileira perfaziam apenas 2%, segundo o censo realizado em 1922
pelo Museu Nacional 82 . A estatística indica que os índios não eram indivíduos presentes no
cotidiano dos brasileiros, ainda que estivessem sendo incluídos como elementos de sua
formação. Àquele tempo, submetidos à tutela estatal que, segundo o antropólogo Jair de
Souza Ramos, deveria lhes conduzir o processo de aprendizado, eram tidos como grupos
de socialização incompleta 83 . Desta forma, apresentavam-se afastados da sociedade, e para
serem incorporados deveriam, por obra do Estado, sofrer uma espécie de catequese laica,
que os tornariam aptos a participar do mundo civilizado, como esclarecia Cândido Rondon:
“A educação dos milhares de crianças indígenas e o aproveitamento de seus respectivos
pais nos serviços mais adequados a cada tribo e ao seu respectivo habitat, compensam
moralmente todo sacrifício material a despender pela Nação” 84 .
A ação do governo, imbuída de espírito civilizatório, aproximava-se da ação
colonial dos jesuítas nos aspectos de interferência cultural e aproveitamento da força de
trabalho indígena – e, se variou nos métodos, acabou batizada pelo mesmo nome de
82 ROQUETTE-PINTO. Ensaios de Antropologia Brasiliana. 3 a . ed. São Paulo: Ed. Cia Nacional; Brasília:
Ed. UNB, 1982. p.77. Brasiliana, Vol. 22 (1 a . ed. 1933); Coleção Temas Brasileiros, Vol.37. p.80.
83 RAMOS, Jair de Souza. O Poder de Domar do Fraco: construção da autoridade e poder tutelar na política
de Povoamento do Solo Nacional. Tese de Doutoramento. Museu Nacional/ UFRJ, 2002. p.27.
84 RONDON, Cândido. Carta ao Presidente da República Doutor Arthur Bernardes. 29 de Agosto de
1924., Fundo Arthur Bernardes, rolo 21. AEL/UNICAMP.
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