RESERVA NATURAL VALE
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FLORESTA ATLÂNTICA DE TABULEIRO: DIVERSIDADE E ENDEMISMOS NA <strong>RESERVA</strong> <strong>NATURAL</strong> <strong>VALE</strong><br />
448<br />
Figura 11: Fruto de Humiriastrum mussunungense<br />
encontrado em rede de neblina ao lado de Artibeus<br />
lituratus na Reserva Natural Vale, estado do Espírito<br />
Santo, sudeste do Brasil. Foto: Isaac P. Lima. Barra de<br />
escala = 1 cm.<br />
DISCUSSÃO<br />
A importância da zoocoria tem sido amplamente<br />
demonstrada para florestas tropicais, principalmente<br />
em florestas mais úmidas como a Mata Atlântica<br />
(Piña-Rodrigues & Aguiar, 1993; Pivello et al.,<br />
2006; Venzke et al., 2014). Mesmo dentro desse<br />
bioma parece haver um gradiente com aumento da<br />
proporção de zoocóricas das formações caducifólias<br />
para as ombrófilas (Almeida-Neto et al., 2008). A<br />
elevada proporção de zoocóricas aqui reportada para<br />
áreas de borda na RNV é, portanto, compatível com<br />
a localização dessa reserva no domínio da floresta<br />
ombrófila (IBGE, 1993), embora em análises mais<br />
detalhadas suas matas sejam classificadas tanto<br />
como semidecíduas (Peixoto & Gentry, 1990;<br />
Massad et al., 2011) quanto intermediárias entre<br />
semidecíduas e ombrófilas (Jesus & Rolim, 2005).<br />
Considerando-se apenas as plantas zoocóricas,<br />
65% dos diásporos amostrados na RNV chegaram<br />
aos coletores durante a noite, evidenciando<br />
importante contribuição dos morcegos para esse<br />
modo de dispersão. As quatro famílias de plantas<br />
com maior representatividade nessa chuva<br />
noturna (Moraceae, Urticaceae, Solanaceae e<br />
Araceae) também apareceram em destaque nas<br />
amostras fecais, juntamente com Piperaceae e<br />
Clusiaceae. Essas seis famílias estão entre as sete<br />
mais frequentemente representadas na dieta de<br />
morcegos na região Neotropical e cinco delas<br />
estão entre as seis mais consumidas na região<br />
central da Guiana Francesa, área bem estudada<br />
para interações entre morcegos e frutos (Lobova<br />
et al., 2009). Essa congruência deve-se, em parte,<br />
à forte relação de preferência entre alguns gêneros<br />
de morcegos e Cecropia, Ficus, Piper, Solanum e<br />
Vismia (Muscarella & Fleming, 2007; Mello et al.,<br />
2011). Embora alguma variação na predominância<br />
de uso desses gêneros possa existir, o que<br />
dependerá da abundância local dessas plantas<br />
(Gonçalves da Silva et al., 2008), o padrão está<br />
amplamente documentado na literatura e parece<br />
refletir um componente histórico (filogenético), no<br />
qual subfamílias de morcegos estão associadas a<br />
gêneros/famílias de plantas em particular (Giannini<br />
& Kalko, 2005). Por trás dessas associações<br />
ancestrais, provavelmente está a disponibilidade<br />
espaço-temporal dos frutos desses gêneros, ricos<br />
em espécies na região Neotropical e com frutos ao<br />
longo das várias estações do ano (Fleming, 1986;<br />
Lobova et al., 2009).<br />
Por defecarem em voo, morcegos<br />
frequentemente transportam diásporos até<br />
áreas abertas (Gorchov et al., 1993), cumprindo<br />
importante papel na restauração natural de habitat<br />
(Jordano et al., 2006). Todavia, para que essa<br />
restauração tenha início, plantas típicas dos estágios<br />
iniciais da sucessão devem alcançar as áreas a serem<br />
restauradas e, nesse aspecto, os morcegos também<br />
se destacam. Dos cinco gêneros anteriormente<br />
mencionados como preferenciais no consumo por<br />
esses mamíferos, quatro (Cecropia, Piper, Solanum<br />
e Vismia) contêm espécies fortemente associadas<br />
à sucessão (Muscarella & Fleming, 2007). Dentre<br />
esses, apenas Solanum e Vismia foram encontrados<br />
nas linhas de coletores a céu aberto, mas tanto Piper<br />
quanto Cecropia devem chegar aos mesmos sítios<br />
por meio dos morcegos, visto que amostras fecais<br />
obtidas nas outras parcelas continham diásporos de<br />
ambos os gêneros (I.P. Lima, obs. pess.).<br />
O conjunto funcional trófico representado pelos<br />
morcegos frugívoros (obrigatórios ou facultativos)<br />
da RNV é bastante diversificado, mesmo quando se<br />
considera apenas o subconjunto aqui identificado<br />
como vetor de diásporos (para a lista de todos<br />
os Phyllostomidae conhecidos para a Reserva ver<br />
Tabela 1). Há representantes de quatro subfamílias<br />
e em diversas classes de tamanho (6 a 110 g),<br />
o que, aliado à elevada diversidade florística