RESERVA NATURAL VALE
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SCARANO & CEOTTO<br />
DESAFIOS PARA A CONSERVAÇÃO<br />
fragmentos são pequenos demais para permitir a<br />
viabilidade e a prosperidade de muitas espécies<br />
que por vezes demandam uma cobertura florestal<br />
contínua mais extensa. Não surpreende, dessa<br />
forma, que mais de 60% da fauna brasileira<br />
oficialmente ameaçada de extinção seja própria da<br />
Mata Atlântica: nada menos do que 380 espécies<br />
(Paglia et al., 2008). Quase 9% de todos os<br />
vertebrados terrestres conhecidos do bioma - e,<br />
dentre os endêmicos, um em cada quatro - são<br />
ameaçados de extinção (Canale et al., 2012). No<br />
caso da flora, o padrão se repete: cerca de 60%<br />
das espécies ameaçadas são da Mata Atlântica,<br />
ou 1.544 espécies (Martinelli et al., 2013). Ainda<br />
assim, a Mata Atlântica abriga uma das maiores<br />
diversidades biológicas do planeta, tanto nos níveis<br />
de ecossistemas e espécies, quanto genético. Isso a<br />
torna um dos 35 hotspots de biodiversidade e uma<br />
das cinco florestas mais ameaçadas do planeta (ver<br />
revisões em Joly et al., 2014 e Scarano, 2014b).<br />
Esse panorama de degradação está em parte<br />
associado a um histórico de ocupação que hoje<br />
resulta no fato que mais de 60% da população<br />
brasileira vive atualmente no domínio desse bioma,<br />
que abriga inclusive algumas das maiores cidades<br />
e metrópoles nacionais, como Rio de Janeiro e<br />
São Paulo. Além da concentração populacional, a<br />
Mata Atlântica é também o motor da economia do<br />
país: responde por 70% do Produto Interno Bruto<br />
(PIB) e 2/3 da economia industrial (Martinelli et<br />
al., 2013). O histórico de ocupação que culminou<br />
com a concentração de atividades produtivas e<br />
da população na Mata Atlântica encontrou pouca<br />
resistência no bioma. A rede de áreas protegidas<br />
públicas e privadas da Mata Atlântica tem sido<br />
insuficiente para minimizar a fragmentação do<br />
bioma e a diversidade de fisionomias e paisagens<br />
existentes (restingas, florestas secas, campos<br />
de altitude, etc.). Por exemplo, áreas públicas de<br />
proteção integral, que excluem atividade humana<br />
em seu interior, cobrem apenas 2% do território<br />
da Mata Atlântica e estão espalhadas pelos 17<br />
estados brasileiros que compõem o seu domínio.<br />
Além de poucas, essas áreas são em geral de<br />
tamanho reduzido – têm, em média, em torno de<br />
10 mil hectares. Já as áreas de proteção privada,<br />
as chamadas RPPN (Reservas Particulares do<br />
Patrimônio Natural), têm em média apenas 200<br />
hectares (Pinto et al., 2012). Em parte como reflexo<br />
desse acanhado sistema de proteção, em 2013<br />
a taxa de desflorestamento voltou a subir, pelo<br />
segundo ano consecutivo, atingindo o maior nível<br />
desde 2008. Entre 2012 e 2013 foram perdidos<br />
23.948 hectares, ou 239 quilômetros quadrados<br />
de remanescentes florestais. Minas Gerais, Bahia,<br />
Piauí e Paraná foram os estados brasileiros que<br />
mais desmataram; juntos, responderam por cerca<br />
de 92% da perda de área no período (SOS Mata<br />
Atlântica/INPE ,2014).<br />
A ameaça que a degradação representa<br />
para o bom fluxo de serviços ecossistêmicos e,<br />
consequentemente, ao bem estar humano na<br />
Mata Atlântica, já demanda mais do que proteção<br />
de áreas remanescentes. Tanto para o presente,<br />
como imaginando a necessidade de adaptação às<br />
mudanças climáticas em curso, a Mata Atlântica<br />
necessita hoje de um grande esforço de restauração<br />
ecológica. Com isso, foi lançado em 2009 o “Pacto<br />
pela Restauração da Mata Atlântica”, uma iniciativa<br />
que conta com a adesão de mais de 200 instituições,<br />
incluindo governos, empresas, universidades e<br />
sociedade civil (Calmon et al., 2009). O Pacto visa<br />
promover a cooperação entre instituições para<br />
restaurar o bioma em larga escala, além de, em<br />
paralelo, apoiar os esforços de conservação dos<br />
remanescentes (Pinto et al., 2012). Essa iniciativa<br />
tem por objetivo restaurar 15 milhões de hectares<br />
de Mata Atlântica até 2050. Alcançar essa meta<br />
levaria a garantir uma cobertura de 30% da Mata<br />
Atlântica em relação à original, o que praticamente<br />
dobra a área do bioma existente atualmente. Tratase<br />
de um objetivo muito ambicioso, mas é o que<br />
seria necessário para se cumprir a principal lei<br />
ambiental brasileira, o Código Florestal (Melo et<br />
al., 2013). Portanto, a meta do Pacto corresponde<br />
exatamente às áreas de proteção permanente e<br />
às reservas legais em propriedades privadas que<br />
são exigidas por lei, mas que se encontram sem<br />
cobertura vegetal (Pinto et al., 2014). Atualmente,<br />
cerca de 58 mil hectares (apenas 0,03% da<br />
meta) encontram-se em restauração sob a ação<br />
do Pacto, o que indica clara necessidade de essa<br />
importante ação ganhar escala. Os mais de 30 anos<br />
de experiência e ações em restauração florestal<br />
na Mata Atlântica, somados à grande capacidade<br />
científica existente no Brasil, sugerem que a<br />
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