13.04.2013 Views

Nada de novo no front(pdf)

Nada de novo no front(pdf)

Nada de novo no front(pdf)

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

tenta impedi-lo, mas sua mão está muito fraca para isto. A camisa colou-se ao<br />

corpo, e não há meio <strong>de</strong> afastá-la para o lado, é abotoada nas costas. Assim, só me<br />

resta cortá-la.<br />

Procuro a faca e encontro-a <strong>no</strong>vamente. Mas, quando começo a cortar a<br />

camisa, os olhos abrem-se mais uma vez e reaparece a expressão <strong>de</strong> terror, como<br />

se quisesse gritar. Sou obrigado a fechá-los, sussurrando:<br />

― Quero ajudar você, companheiro, camara<strong>de</strong>, cmnara<strong>de</strong>, camara<strong>de</strong> ―<br />

repito insistentemente a palavra, para que ele compreenda.<br />

São três punhaladas. Minhas ataduras cobrem as feridas, o sangue escorre<br />

por baixo; aperto os curativos com força, e ele geme.<br />

É tudo que posso fazer. Agora, <strong>de</strong>vemos esperar, esperar.<br />

Que horas atrozes! O estertor recomeça: como o ser huma<strong>no</strong> morre<br />

lentamente. De uma coisa estou certo: ele não po<strong>de</strong> ser salvo. É bem verda<strong>de</strong> que<br />

tentei convencer-me do contrário, mas, ao meio-dia, esta esperança foi <strong>de</strong>struída,<br />

<strong>de</strong>sfez-se diante dos seus gemidos. Se ao me<strong>no</strong>s não tivesse perdido meu<br />

revólver, dar-lhe-ia um tiro. Apunhalá-lo é que não consigo.<br />

À tar<strong>de</strong>, atinjo o limite dos pensamentos. A fome me <strong>de</strong>vora: é tanta, que<br />

sinto vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> chorar, não consigo lutar contra isto. Por várias vezes, vou<br />

buscar mais água para o moribundo, e eu mesmo bebo também.<br />

Este é o primeiro homem que matei com minhas próprias mãos e cuja<br />

morte, posso constatá-lo sem sombra <strong>de</strong> dúvida, foi obra minha. Kat, Kropp e<br />

Müller também já viram homens a quem mataram: isto acontece a muita gente,<br />

principalmente em combate corpo a corpo...<br />

Mas cada respiração arquejante corta meu coração. Este ser que agoniza<br />

tem o tempo do seu lado, possui um punhal invisível, com que me fere: o tempo e<br />

meus pensamentos.<br />

Quanto não daria eu para que se salvasse! É duro ficar <strong>de</strong>itado aqui, sendo<br />

obrigado a vê-lo e ouvi-lo.<br />

Às três horas da tar<strong>de</strong>, ele morre.<br />

Respiro aliviado, mas só por pouco tempo. Em breve, parece-me mais<br />

doloroso suportar o silêncio do que os gemnidos. Gostaria <strong>de</strong> ouvir outra vez o<br />

estertor intermitente, rouco, às vezes assobiando baixo, e <strong>de</strong>pois <strong>no</strong>vamente rouco<br />

e alto.<br />

Não tem sentido o que faço, mas preciso ocupar-me. Assim, coloco o morto<br />

numa posição mais confortável, embora ele não sinta mais nada. Fecho-lhe os<br />

olhos. São castanhos, o cabelo é preto, um pouco encaracolado dos lados.<br />

A boca é larga e suave, sob o bigo<strong>de</strong>; o nariz, um pouco recurvado; e a<br />

pele, morena; agora não parece tão pálida como há pouco, quando vivia. Por um<br />

instante, o rosto parece até ser quase sadio, e, em seguida, dissolve-se<br />

rapidamente em um <strong>de</strong>sses estranhos semblantes <strong>de</strong> morto, que já vi muitas vezes

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!