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Não ouve nada, esperneia, a boca está molhada, e cospe as palavras,<br />
palavras pela meta<strong>de</strong>, sem nexo. É um ataque <strong>de</strong> claustrofobia, ele tem a<br />
impressão <strong>de</strong> que vai sufocar aqui, e sente apenas um <strong>de</strong>sejo: chegar lá fora. Se o<br />
<strong>de</strong>ixássemos, correria, sem cobertura, para qualquer lado. Não é o primeiro.<br />
Seus olhos já se reviram, porque está muito enfurecido, e não há outro<br />
remédio: temos <strong>de</strong> esbofeteá-lo para que recupere o controle. Fazemo-lo<br />
rapidamente, sem pieda<strong>de</strong>, e, finalmente, ele senta-se e acalma-se. Os outros<br />
ficam pálidos com o acontecimento; tomara que os tenhamos intimidado! O<br />
bombar<strong>de</strong>io é <strong>de</strong>mais para os pobres rapazes; acabam <strong>de</strong> chegar do <strong>de</strong>pósito <strong>de</strong><br />
recrutas para cair num infer<strong>no</strong> <strong>de</strong>stes, que faria mesmo um velho soldado ficar <strong>de</strong><br />
cabelos brancos.<br />
Além disso, o ar irrespirável, espesso e vicioso afeta <strong>no</strong>ssos nervos.<br />
Estamos como que sentados <strong>no</strong> <strong>no</strong>sso próprio túmulo e esperamos apenas que<br />
<strong>de</strong>sabe sobre nós, enterrando-<strong>no</strong>s. De repente, há um silvo e um clarão<br />
monstruoso; o abrigo estoura em todas as juntas, sob uma explosão que o pegou<br />
em cheio. Felizmente, era um projétil <strong>de</strong> artilharia ligeira, ao qual os blocos <strong>de</strong><br />
cimento resistiram. Foi um terrível ruído metálico, as pare<strong>de</strong>s vacilaram; fuzis,<br />
capacetes, lama, terra e poeira voam por todos os lados. Um vapor <strong>de</strong> enxofre<br />
penetra <strong>no</strong> abrigo. Se estivéssemos sentados agora num <strong>de</strong>sses abrigos leves que<br />
se constroem hoje em dia, nenhum <strong>de</strong> nós estaria vivo.<br />
Mesmo assim, os efeitos são bastante lamentáveis. O recruta <strong>de</strong> há pouco<br />
começa <strong>no</strong>vamente a <strong>de</strong>lirar, e mais dois o imitam. Um <strong>de</strong>les consegue livrar-se e<br />
foge. Ocupamo-<strong>no</strong>s dos outros dois. Precipito-me atrás do fugitivo e pergunto a<br />
mim mesmo se <strong>de</strong>vo atirar em suas pernas; ouvese, então, um silvo por perto,<br />
atiro-me ao chão e, quando me levanto, a pare<strong>de</strong> da trincheira está coberta <strong>de</strong><br />
estilhaços fumegantes, <strong>de</strong> pedaços <strong>de</strong> carne e <strong>de</strong> farrapos <strong>de</strong> uniforme. Rastejo <strong>de</strong><br />
<strong><strong>no</strong>vo</strong> para <strong>de</strong>ntro do abrigo.<br />
O primeiro dos rapazes parece ter efetivamente enlouquecido. Corre e bate<br />
com a cabeça na pare<strong>de</strong> como um bo<strong>de</strong>, quando consegue soltar-se. À <strong>no</strong>ite,<br />
seremos obrigados a tentar levá-lo para a retaguarda. Por enquanto, nós o<br />
amarramos <strong>de</strong> forma a po<strong>de</strong>r soltá-lo rapidamente <strong>no</strong> caso <strong>de</strong> um ataque.<br />
Kat sugere que joguemos cartas; é mais fácil quando se tem o que fazer.<br />
Talvez <strong>no</strong>s aju<strong>de</strong> a enfrentar os acontecimentos. Mas não dá certo: estamos à<br />
escuta, e, a cada granada mais próxima, contamos errado, ou não prestamos<br />
atenção ao naipe. Desistimos.<br />
Estamos como que sentados num cal<strong>de</strong>irão que ferve ameaçadoramente,<br />
batido por todos os lados.<br />
Mais uma <strong>no</strong>ite. Já estamos abatidos pela tensão, uma tensão mortal, que<br />
<strong>no</strong>s raspa ao longo da espinha como uma faca cheia <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntes. As pernas<br />
recusam-se a <strong>no</strong>s obe<strong>de</strong>cer, as mãos tremem, o corpo é apenas uma pele fina que<br />
recobre a loucura malcontida, mascarando um rugido sem fim que quase não se<br />
po<strong>de</strong> controlar. Já não temos mais músculos nem carne; não <strong>no</strong>s atrevemos mais a