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Nada de novo no front(pdf)

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Estes são outros homens, homens que não compreendo bem, <strong>de</strong> quem tenho<br />

inveja e que <strong>de</strong>sprezo. Tenho <strong>de</strong> pensar em Kat, e Albert Müller e Tja<strong>de</strong>n, que<br />

estarão fazendo? Devem estar sentados na cantina, ou talvez estejam nadando: em<br />

breve serão obrigados a voltar para o <strong>front</strong>.<br />

No meu quarto, atrás da mesa, há um sofá <strong>de</strong> couro marrom. Sento-me nele.<br />

Nas pare<strong>de</strong>s, vejo as estampas que costumava recortar das revistas. No meio,<br />

presos por tachinhas, cartões-postais e <strong>de</strong>senhos que me agradavam. No canto, um<br />

peque<strong>no</strong> fogareiro. Na pare<strong>de</strong> em frente, a estante com meus livros. Era neste<br />

quarto que vivia antes <strong>de</strong> ser soldado. Os livros, eu os comprava aos poucos com<br />

o dinheiro que ganhava dando aulas; muitos <strong>de</strong>les, <strong>de</strong> segunda mão: todos os<br />

clássicos, por exemplo, enca<strong>de</strong>rnados em linho azul, custavam um marco e vinte<br />

pfennige o volume. Comprei a coleção completa, pois sempre fui meticuloso, não<br />

confiava em editores <strong>de</strong> trechos escolhidos; duvidava sempre <strong>de</strong> que tivessem<br />

selecionado o melhor. Por isso, só comprava “Obras Completas”. Lia-as com um<br />

entusiasmo honesto, mas a maioria não me agradava muito. Preferia os outros<br />

livros, os mais mo<strong>de</strong>r<strong>no</strong>s, que, naturalmente, eram mais caros. Adquiri alguns <strong>de</strong><br />

maneira não muito honesta: pedia-os emprestado e não os <strong>de</strong>volvia, porque não<br />

conseguia mais separar-me <strong>de</strong>les.<br />

Uma prateleira da estante está cheia <strong>de</strong> livros escolares. Estão malcuidados<br />

e muito folheados, e há páginas que foram arrancadas, sabe-se bem com que<br />

intenção. Mais abaixo, estão os ca<strong>de</strong>r<strong>no</strong>s, os papéis e as cartas, misturados aos<br />

<strong>de</strong>senhos e esboços.<br />

Quero projetar-me <strong>no</strong> pensamento daquela época. Ela ainda está <strong>no</strong> quarto,<br />

eu sinto, as pare<strong>de</strong>s conservaram-na. Minhas mãos <strong>de</strong>scansam <strong>no</strong> espaldar do<br />

sofá; <strong>de</strong>pois, ajeitome confortavelmente, puxo as pernas para cima, assim fico<br />

aconchegado a um canto, <strong>no</strong>s braços do sofá. Pela pequena janela aberta, vejo a<br />

imagem familiar da rua com a torre da igreja que se ergue ao fundo. Há flores em<br />

cima da mesa. Porta-canetas, lápis, uma concha como peso <strong>de</strong> papel, o tinteiro ―<br />

aqui, nada mudou.<br />

O aspecto há <strong>de</strong> ser o mesmo, se tiver sorte, quando a guerra acabar e eu<br />

voltar para sempre. Sentar-me-ei exatamente <strong>de</strong>sta maneira, olharei o meu quarto<br />

e esperarei...<br />

Estou agitado, mas não é isso que <strong>de</strong>sejo, pois não está certo. Quero sentir<br />

<strong>no</strong>vamente aquele <strong>de</strong>slumbramento calmo, aquela sensação po<strong>de</strong>rosa e<br />

inexplicável que me envolvia quando me voltava para os livros. O vento dos<br />

<strong>de</strong>sejos que então se <strong>de</strong>sprendia das capas coloridas dos livros <strong>de</strong>ve se apossar <strong>de</strong><br />

mim <strong>no</strong>vamente, para <strong>de</strong>rreter o pesado bloco morto <strong>de</strong> chumbo que se encontra<br />

em algum lugar <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim, e <strong>de</strong>spertar <strong>de</strong> <strong><strong>no</strong>vo</strong> a impaciência do futuro, a<br />

alegria alada do mundo dos pensamentos; <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>volver-me a perdida disposição<br />

<strong>de</strong> minha juventu<strong>de</strong>. Aqui estou, e espero.<br />

Lembro-me agora <strong>de</strong> que <strong>de</strong>vo visitar a mãe <strong>de</strong> Kemmerich; po<strong>de</strong>ria visitar

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