You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
5<br />
Matar um piolho <strong>de</strong> cada vez não é fácil quando os temos às centenas. Os<br />
bichinhos são duros, e esborrachá-los sempre com as unhas é cansativo. Por isso,<br />
Tja<strong>de</strong>n fixou a tampa <strong>de</strong> uma lata <strong>de</strong> graxa <strong>de</strong> sapatos com um arame, em cima <strong>de</strong><br />
toco <strong>de</strong> vela acesa. Basta jogar os piolhos nessa panelinha: um estalo, e estão<br />
liquidados.<br />
Sentamo-<strong>no</strong>s todos em círculo, as camisas sobre os joelhos, a parte superior<br />
do corpo completamente nua <strong>no</strong> ar quente, e as mãos ocupadas.<br />
Haie tem um tipo especial <strong>de</strong> piolho, com uma cruz vermelha na cabeça.<br />
Por isso, ele afirma que os trouxe do hospital militar <strong>de</strong> Thourhout; teriam sido<br />
proprieda<strong>de</strong> particular <strong>de</strong> um médico do Estado-Maior. Segundo afirma, preten<strong>de</strong><br />
utilizar a gordura que está se juntando lentamente na tampa para engraxar as<br />
botas, e durante meia hora rola <strong>de</strong> tanto rir com essa piada.<br />
Mas hoje não tem muita sorte, pois há outra coisa que <strong>no</strong>s preocupa em<br />
excesso. O boato transformou-se em verda<strong>de</strong>: Himmelstoss está aqui. Chegou<br />
ontem, já ouvimos sua voz tão conhecida. Parece que na retaguarda exagerou <strong>no</strong>s<br />
maus tratos para com uns jovens recrutas <strong>no</strong>s campos recém-arados. Sem que se<br />
soubesse, um <strong>de</strong>les era filho do prefeito, e, assim, caiu em <strong>de</strong>sgraça.<br />
Aqui, ele vai se espantar. Tja<strong>de</strong>n passa em revista, discutindo, há horas,<br />
todas as maneiras <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r-lhe. Haie olha, pensativo, para suas gran<strong>de</strong>s mãos<br />
e me dá uma pisca<strong>de</strong>la. Aquela surra foi o ponto alto <strong>de</strong> sua vida: contou-me que,<br />
às vezes, ainda sonha com isto.<br />
Kropp e Müller conversam. Kropp foi o único que conseguiu uma marmita<br />
cheia <strong>de</strong> lentilhas, provavelmente da cozinha dos sapadores. Müller olha <strong>de</strong><br />
soslaio, ávido, mas domina-se e pergunta:<br />
― Albert, o que você faria se houvesse paz <strong>de</strong> repente? ― Não há paz! ―<br />
afirma Albert, lacônico. ― Mas ― insiste Müller ― o que faria se houvesse? ―<br />
Daria o fora! ― resmunga Kropp. ― Claro, e <strong>de</strong>pois?<br />
― Tomaria um pileque ― diz Albert.<br />
― Não seja imbecil, estou falando a sério...<br />
― Eu também ― diz Albert. ― Que mais se po<strong>de</strong> fazer? Kat interessa-se<br />
pelo assunto. Pe<strong>de</strong> a Kropp uma parte das lentilhas; recebe-a, reflete durante<br />
algum tempo e conclui: ― Bem, po<strong>de</strong>ria tomar um pileque, mas em seguida<br />
pegaria o próximo trem... e daí então para a mamãe... para a gente... a paz, Albert,<br />
meu Deus!<br />
Remexe a sua carteira <strong>de</strong> oleado até achar uma fotografia e mostra-a<br />
orgulhosamente: ― É a minha velha!<br />
Então, guarda-a <strong>de</strong> <strong><strong>no</strong>vo</strong> e resmunga: ― Maldita guerra!<br />
― Você não po<strong>de</strong> reclamar ― digo. ― Tem o seu garoto e a sua mulher.<br />
― Está certo ― concorda ―, e preciso cuidar para que tenham o que<br />
comer.<br />
Rimos.