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Mittelstaedt também... <strong>de</strong>ve estar <strong>no</strong> quartel. Olho pela janela: por trás da rua<br />
ensolarada aparece, distante e leve, uma colina; tudo se transforma em um dia<br />
claro <strong>de</strong> outo<strong>no</strong>, e estou sentado perto do fogo, junto com Kat e Albert, comendo<br />
batatas assadas na casca.<br />
Mas não quero pensar nisso, afasto a recordação. O quarto <strong>de</strong>ve falar, <strong>de</strong>ve<br />
se levantar e me pren<strong>de</strong>r; quero sentir que este é o meu lugar e que a ele pertenço,<br />
e ouvir sua voz para saber que, quando voltar à frente a guerra apagarse-á, que ela<br />
<strong>de</strong>saparecerá quando vier a gran<strong>de</strong> vaga da volta ao lar; saber que tudo, então,<br />
estará terminado e não mais <strong>no</strong>s atormentará, e que sobre nós exercerá apenas um<br />
po<strong>de</strong>r exterior.<br />
As lombadas dos livros alinham-se uma ao lado da outra. Ainda os conheço<br />
e me lembro <strong>de</strong> como as arrumei. Suplico-lhes com os olhos. Falem comigo...<br />
recebam-me... receba-me, vida da minha juventu<strong>de</strong>, você que é <strong>de</strong>spreocupada e<br />
bela... receba-me <strong>no</strong>vamente...<br />
Espero... espero.<br />
As imagens flutuam pelo meu pensamento, mas não se fixam, são apenas<br />
sombras e lembranças.<br />
― <strong>Nada</strong> ― nada...<br />
Minha inquietação aumenta...<br />
Subitamente, uma terrível sensação surge em mim: sou um estranho aqui.<br />
Não encontro o caminho <strong>de</strong> volta, estou excluído; por mais que peça e me esforce,<br />
nada se move; isolado e triste, estou sentado aqui como um con<strong>de</strong>nado, enquanto<br />
o passado se afasta. Ao mesmo tempo, sinto medo <strong>de</strong> evocá-lo <strong>de</strong>mais, porque<br />
não sei o que po<strong>de</strong>ria acontecer então. Sou um soldado; é preciso que eu não saia<br />
do meu papel.<br />
Cansado, levanto-me e olho pela janela. Depois, pego um dos livros e o<br />
folheio, tentando ler, mas abando<strong>no</strong>-o e pego outro. Há trechos que estão<br />
sublinhados. Procuro, folheio, retiro <strong><strong>no</strong>vo</strong>s livros. Já se forma uma pilha a meu<br />
lado. Outros se juntam ainda mais <strong>de</strong>pressa aos primeiros... e também papéis,<br />
ca<strong>de</strong>r<strong>no</strong>s, cartas.<br />
Silencioso estou diante <strong>de</strong>les. Como num tribunal.<br />
Sem forças.<br />
Palavras, palavras, palavras... elas não me alcançam. Lentamente, reponho<br />
os livros <strong>no</strong>s seus lugares. Acabou-se.<br />
Sem ruído, saio do quarto.<br />
Ainda não me entrego. É bem verda<strong>de</strong> que não entro mais <strong>no</strong> meu quarto,<br />
mas consolo-me com o fato <strong>de</strong> que estes poucos dias não precisam<br />
obrigatoriamente ser um fim. Terei tempo mais tar<strong>de</strong>. Tenho muitos a<strong>no</strong>s pela<br />
frente.<br />
Então, resolvo visitar Mittelstaedt <strong>no</strong> quartel. Sentamo-<strong>no</strong>s <strong>no</strong> seu quarto,<br />
on<strong>de</strong> há uma atmosfera <strong>de</strong> que não gosto, mas à qual estou habituado.<br />
Mittelstaedt tem uma <strong>no</strong>vida<strong>de</strong> que me surpreen<strong>de</strong> bastante. Conta-me que