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às vezes, para sempre!<br />
Terra, terra, terra!<br />
Ó terra, com teus relevos, tuas covas e tuas <strong>de</strong>pressões, on<strong>de</strong> a gente po<strong>de</strong><br />
se atirar e se agachar! Terra, <strong>no</strong>s espasmos <strong>de</strong> horror, <strong>no</strong> romper do<br />
aniquilamento, <strong>no</strong> grito mortal das explosões, tu <strong>no</strong>s <strong>de</strong>ste a po<strong>de</strong>rosa<br />
contracorrente que <strong>no</strong>s tira da inércia paroxística e torna a <strong>no</strong>s salvar a vida! A<br />
tormenta furiosa <strong>de</strong> uma existência quase <strong>de</strong>struída reflui <strong>de</strong> ti para <strong>no</strong>ssas mãos, e<br />
nós, que escapamos, enterramo<strong>no</strong>s em ti, e, na felicida<strong>de</strong> muda e nervosa <strong>de</strong><br />
termos sobrevivido a esses minutos vencidos, nós te mor<strong>de</strong>mos com fúria!<br />
Com um sobressalto, uma parte do <strong>no</strong>sso ser, ao primeiro ribombar das<br />
granadas, recua <strong>no</strong> passado milhares <strong>de</strong> a<strong>no</strong>s. É o instinto do animal que <strong>de</strong>sperta<br />
em nós, que <strong>no</strong>s guia e <strong>no</strong>s protege. Não é consciente; é muito mais rápido, muito<br />
mais seguro, muito mais infalível do que a consciência. Não se po<strong>de</strong> explicar.<br />
Andamos sem pensar em nada... <strong>de</strong> repente, estamos <strong>de</strong>itados numa <strong>de</strong>pressão da<br />
terra, enquanto acima <strong>de</strong> nós voam os estilhaços... Mas a gente não se lembra <strong>de</strong><br />
ter ouvido as granadas chegarem nem <strong>de</strong> ter pensado em se <strong>de</strong>itar. Se<br />
confiássemos <strong>no</strong> pensamento, já seríamos um monte <strong>de</strong> carne espalhada por todos<br />
os lados. Foi este outro que habita <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> nós, foi o sentido clarivi<strong>de</strong>nte que em<br />
nós existe que <strong>no</strong>s atirou ao chão e <strong>no</strong>s salvou, sem que se saiba como. Se não<br />
fosse isto, há muito já não haveria mais ninguém <strong>de</strong> Flandres até os Vosges.<br />
Partimos como simples soldados casmurrões ou bemhumorados...<br />
chegamos na zona on<strong>de</strong> começa a frente <strong>de</strong> batalha e já <strong>no</strong>s tornamos homensanimais.<br />
Um bosque <strong>de</strong>vastado <strong>no</strong>s acolhe. Passamos pelas cozinhas ambulantes <strong>de</strong><br />
campanha. Atrás do bosque, saltamos. Os caminhões partem. Deverão apanhar<strong>no</strong>s<br />
amanhã, antes do amanhecer.<br />
O nevoeiro e a fumaça da pólvora cobrem os campos até a altura do peito<br />
<strong>de</strong> um homem. A lua brilha. Na estrada, passam as tropas. Os capacetes <strong>de</strong> aço<br />
fulguram sob o luar com reflexos foscos. As cabeças e os fuzis erguem-se da<br />
neblina branca, cabeças oscilantes e ca<strong>no</strong>s <strong>de</strong> fuzis que vacilam.<br />
Mais adiante, a névoa se dissipa. As cabeças transformam-se em vultos; as<br />
túnicas, as calças e as botas emergem da neblina como <strong>de</strong> um lago <strong>de</strong> leite.<br />
Forma-se uma coluna, que marcha em frente; os vultos fun<strong>de</strong>m-se numa espécie<br />
<strong>de</strong> cunha, já não se reconhecem as fisio<strong>no</strong>mias; só uma cunha escura avança,<br />
estranhamente completada pelas cabeças e pelos fuzis, que parecem sair flutuando<br />
do lago nevoento. Uma coluna... não são homens.<br />
Numa estrada transversal, movimentam-se canhões ligeiros e caminhões <strong>de</strong><br />
munição. Os dorsos dos cavalos reluzem ao luar; seus movimentos são belos,<br />
jogam as cabeças para cima e têm os olhos brilhantes. Os canhões e os caminhões<br />
parecem flutuar na paisagem enluarada; os cavaleiros, com seus capacetes <strong>de</strong> aço,<br />
dão a impressão <strong>de</strong> pertencerem a tempos passados; é um quadro ao mesmo<br />
tempo belo e empolgante.