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Recebemos or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> avançar e fazer trincheiras na linha <strong>de</strong> frente. Quando<br />
chegam os caminhões, subimos neles. É uma <strong>no</strong>ite morna, e o crepúsculo parece<br />
um toldo, sob cuja proteção <strong>no</strong>s sentimos bem. Ele <strong>no</strong>s une; até o avarento Tja<strong>de</strong>n<br />
me dá um cigarro e o acen<strong>de</strong>.<br />
Estamos <strong>de</strong> pé, lado a lado, ninguém po<strong>de</strong> sentar-se. Também não estamos<br />
acostumados a <strong>no</strong>s sentar. Até que enfim vemos Müller <strong>de</strong> bom humor! Está com<br />
as botas <strong>no</strong>vas.<br />
Os motores dão a partida, os caminhões rolam ruidosamente. As estradas<br />
estão gastas e cheias <strong>de</strong> buracos. É proibido acen<strong>de</strong>r as luzes, e os solavancos<br />
quase <strong>no</strong>s <strong>de</strong>rrubam do caminhão. Mas isso não <strong>no</strong>s inquieta. Que po<strong>de</strong><br />
acontecer? Um braço quebrado é sempre melhor do que uma bala na barriga, e<br />
muitos <strong>de</strong>sejam justamente uma oportunida<strong>de</strong> como essa para ir para casa.<br />
Ao <strong>no</strong>sso lado, em fila comprida, <strong>de</strong>sdobram-se as colunas <strong>de</strong> munição.<br />
Têm pressa, e ultrapassam-<strong>no</strong>s sempre. Atiramos-lhes piadas, às quais respon<strong>de</strong>m.<br />
Surge um muro, pertencente a uma casa que fica fora da estrada. De<br />
repente, aguço os ouvidos. Será que me enga<strong>no</strong>? Não; <strong>no</strong>vamente escuto com<br />
niti<strong>de</strong>z o grasnar <strong>de</strong> um ganso. Olho para Katczinsky ― que me <strong>de</strong>volve o olhar:<br />
já <strong>no</strong>s enten<strong>de</strong>mos.<br />
― Kat, estou escutando um candidato à panela!...<br />
Ele concorda:<br />
― Está certo, quando voltarmos... Conheço o terre<strong>no</strong> aqui.<br />
É claro que Kat conhece o terre<strong>no</strong>. Com certeza, conhece cada coxa <strong>de</strong><br />
ganso num raio <strong>de</strong> vinte quilômetros.<br />
Os caminhões alcançam as posições <strong>de</strong> artilharia. Os caminhões estão<br />
camuflados com ramos <strong>de</strong> árvores, para não serem vistos pelos aviões; é como se<br />
fosse uma festa <strong>de</strong> primavera. Estes caramanchões pareceriam alegres e<br />
tranqüilos, se não fossem habitados por canhões.<br />
O ar está saturado com a fumaça dos canhões e com o nevoeiro. Sente-se o<br />
gosto amargo <strong>de</strong> pólvora na língua. Os tiros estouram, fazendo estremecer <strong>no</strong>sso<br />
caminhão; o eco rola fragorosamente. Tudo estremece. Nossas feições alteram-se,<br />
insensivelmente. Não vamos, na verda<strong>de</strong>, até a primeira linha, somente até as<br />
trincheiras, mas em cada rosto po<strong>de</strong>-se ler: “Aqui fica o <strong>front</strong>, estamos <strong>no</strong>s seus<br />
domínios”. Isto não é ainda o medo. Quem já esteve tantas vezes na linha <strong>de</strong><br />
frente, como nós, não se <strong>de</strong>ixa abalar. Só os jovens recrutas estão impressionados.<br />
Kat ensina-lhes:<br />
― Aquele foi um 30,5. Vocês po<strong>de</strong>m distingui-lo pela <strong>de</strong>tonação: ouviram<br />
o disparo, daqui a pouco escutarão o seu impacto.<br />
Mas o som abafado da explosão não chega até aqui. Per<strong>de</strong>-se <strong>no</strong> burburinho<br />
da frente. Kat apura o ouvido e <strong>de</strong>clara: ― Esta <strong>no</strong>ite vai haver barulho.<br />
Ficamos todos escutando. O <strong>front</strong> está agitado. Kropp diz: ― Os Tommies<br />
já estão atirando.