You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
muito orgulhosos.<br />
Elas <strong>no</strong>s cobrem <strong>de</strong> palavras... pouco enten<strong>de</strong>mos do que dizem, mas<br />
sentimos que são palavras amigas. Talvez lhes pareçamos muito jovens. A<br />
moreninha passa a mão pelos meus cabelos e diz o que todas as francesas dizem:<br />
― La guerre... grand malheur... pauvres garçons...<br />
Aperto seu braço com força e encosto minha boca na palma <strong>de</strong> sua mão.<br />
Seus <strong>de</strong>dos fecham-se em tor<strong>no</strong> do meu rosto. Bem junto, para cima <strong>de</strong> mim,<br />
estão seus olhos provocantes, o more<strong>no</strong> aveludado da pele e os lábios vermelhos.<br />
A boca diz palavras que não compreendo. Também não entendo seus olhos,<br />
parecem dizer mais do que esperávamos quando viemos para cá.<br />
Ao lado, há outros quartos. Quando me dirijo para um <strong>de</strong>les, vejo Leer, que<br />
faz muito sucesso com a loura. Ele já conhece essas coisas. Mas eu... estou<br />
perdido em algo muito remoto, feito <strong>de</strong> doçura e <strong>de</strong> violência, e <strong>de</strong>ixo-me arrastar.<br />
Meus <strong>de</strong>sejos são confusos... quero dar-me e quero recusar-me. Minha cabeça<br />
roda, e aqui não há nada em que possa me apoiar. Deixamos <strong>no</strong>ssas botas na<br />
porta, e emprestaram-<strong>no</strong>s chinelos; agora, não há mais nada que me lembre a<br />
firmeza e a autoconfiança do soldado; nada <strong>de</strong> fuzil, nada <strong>de</strong> cinturão, nada <strong>de</strong><br />
casaco, nem capacete. Abando<strong>no</strong>-me ao <strong>de</strong>sconhecido, aconteça o que acontecer...<br />
e, <strong>no</strong> entanto, tenho um pouco <strong>de</strong> medo.<br />
A morena esguia mexe com as sobrancelhas quando fica pensativa; mas<br />
ficam imóveis quando ela fala. Às vezes, o som nem chega a traduzir-se em<br />
palavras, é abafado ou passa vagamente sobre minha cabeça; é como um arco,<br />
uma trajetória, um cometa. Que sabia eu <strong>de</strong> tudo isso... o que sei disso? As<br />
palavras <strong>de</strong>ssa língua estrangeira, que mal entendo, elas me acariciam, fazendo<br />
com que mergulhe numa gran<strong>de</strong> calma, em que o quarto quase se dissolve na<br />
meialuz, e só o semblante que se <strong>de</strong>bruça sobre mim vive e se distingue.<br />
Como é cheio <strong>de</strong> sutileza um rosto que me era estranho ainda há pouco e<br />
que, neste momento, mostra uma ternura que não nasce <strong>de</strong>le próprio, mas da<br />
<strong>no</strong>ite, do mundo e do sangue, que parecem brilhar juntos nele! Os objetos do<br />
quarto são por ele tocados e transformados, tomam um aspecto particular, e quase<br />
tenho medo <strong>de</strong> minha pele clara, quando a luz se reflete nela e a mão morena e<br />
fresca me acaricia.<br />
Como tudo isso é diferente do bor<strong>de</strong>l <strong>de</strong> soldados, on<strong>de</strong> temos permissão <strong>de</strong><br />
ir, e on<strong>de</strong> se tem que fazer fila. Não gostaria <strong>de</strong> pensar nisso; mas,<br />
involuntariamente, o <strong>de</strong>sejo faz minha mente voltar-se para essa recordação, e eu<br />
me assusto, porque talvez nunca mais consiga me libertar <strong>de</strong>la.<br />
Mas, então, sinto os lábios da morena <strong>de</strong>lgada e atirome a eles: fecho os<br />
olhos e, com esse gesto, gostaria <strong>de</strong> apagar tudo, a guerra, os seus horrores e suas<br />
ig<strong>no</strong>mínias, para <strong>de</strong>spertar jovem e feliz; penso na moça do cartaz e creio, por um<br />
instante, que a minha vida <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> eu conquistá-la.<br />
E, se eu me afundar cada vez mais nestes braços que me envolvem, talvez<br />
aconteça um milagre...