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apenas o seu setor e, por isso, não po<strong>de</strong> ter uma visão global. Cumpre o seu <strong>de</strong>ver,<br />
arrisca sua vida e merece, portanto, as maiores homenagens... todos os soldados<br />
<strong>de</strong>veriam receber a Cruz <strong>de</strong> Ferro... mas, antes <strong>de</strong> tudo, a frente inimiga precisa<br />
ser rompida em Flandres, e, <strong>de</strong>pois, é necessário fazer o inimigo ce<strong>de</strong>r <strong>de</strong> alto a<br />
baixo por meio <strong>de</strong> movimentos envolventes.<br />
Funga e limpa a barba.<br />
― É preciso fazer ce<strong>de</strong>r <strong>de</strong> alto a baixo, e em seguida... para Paris.<br />
Gostaria <strong>de</strong> saber exatamente como imagina tudo isso; tomo a terceira<br />
cerveja, e ele imediatamente manda trazer outra.<br />
Mas eu me retiro. Ele ainda me empurra alguns charutos <strong>no</strong> bolso e <strong>de</strong>ixame<br />
com um tapinha amigável.<br />
― Desejo-lhe tudo <strong>de</strong> bom! Espero que ouçamos falar em breve <strong>de</strong> seus<br />
feitos heróicos.<br />
Imaginava a licença <strong>de</strong> modo inteiramente diverso. Há um a<strong>no</strong>, <strong>de</strong> fato,<br />
teria sido mesmo diferente. Com certeza, fui eu quem mudou nesse intervalo.<br />
Entre aquela época e hoje há um abismo. Naquela ocasião, ainda não conhecia a<br />
guerra; estávamos em áreas mais calmas. Hoje, reparo que, sem perceber, fiquei<br />
<strong>de</strong>siludido. Não consigo mais me orientar, é um mundo <strong>de</strong>sconhecido. Alguns<br />
perguntam, outros não perguntam, e vê-se que eles se orgulham disso;<br />
freqüentemente, chegam até a dizer, com um ar <strong>de</strong> compreensão e superiorida<strong>de</strong>,<br />
que não se po<strong>de</strong> falar sobre essas coisas.<br />
Prefiro ficar sozinho; assim, ninguém me irrita, porque todos voltam<br />
sempre ao mesmo tema, como tudo vai mal, como tudo vai bem; um acha isto, o<br />
outro, aquilo... acabam sempre falando do que lhes interessa pessoalmente.<br />
Antigamente, <strong>de</strong>vo ter sido assim também, mas hoje não me sinto mais ligado a<br />
isso.<br />
Falam <strong>de</strong>mais. Têm preocupações, objetivos e <strong>de</strong>sejos que eu não entendo.<br />
Às vezes, sento-me com um <strong>de</strong>les <strong>no</strong> peque<strong>no</strong> jardim do café e tento explicar-lhe<br />
que o importante, afinal, é ficar sentado assim, tranqüilamente, como agora.<br />
Compreen<strong>de</strong>m, é claro, e o admitem; chegam até a concordar, mas só com<br />
palavras, isto é... sentem-<strong>no</strong>, mas só pela meta<strong>de</strong>, o resto <strong>de</strong> seu ser está ocupado<br />
com outros assuntos; estão <strong>de</strong> tal forma divididos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si próprios que<br />
nenhum <strong>de</strong>les sente-o com toda a sua alma; até mesmo eu não consigo expressar<br />
claramente o que penso.<br />
Quando os vejo assim, <strong>no</strong>s seus quartos, <strong>no</strong>s seus escritórios, entregues aos<br />
seus afazeres, sinto-me irresistivelmente atraído, queria ficar aqui também e<br />
esquecer a guerra; mas, ao mesmo tempo, isso também me repugna, tudo é tão<br />
mesquinho, como po<strong>de</strong> encher uma vida?... é preciso acabar com isso. Como<br />
po<strong>de</strong>m ser assim, enquanto lá fora os estilhaços zunem sobre as trincheiras e os<br />
foguetes lumi<strong>no</strong>sos sobem, os feridos são arrastados em lonas para a retaguarda e<br />
os companheiros abaixam-se nas trincheiras?