Lentamente, eu me levanto. ― Quer levar a ca<strong>de</strong>rneta e as coisas <strong>de</strong>le? ― pergunta o cabo. Concordo, e ele me entrega tudo. O enfermeiro está perplexo: ― Vocês eram parentes? ― Não, não somos parentes. Não, não somos parentes. Po<strong>de</strong>rei andar? Ainda tenho pés? Levanto os olhos, olho ao redor e <strong>de</strong>ixo que se movam, <strong>de</strong>screvendo um círculo, e giro com eles, é um círculo, um gran<strong>de</strong> círculo, e eu estou <strong>no</strong> meio. Tudo continua como sempre. Só que o soldado Stanislas Katczinsky morreu. Depois, não sei <strong>de</strong> mais nada.
10 Estamos <strong>no</strong> outo<strong>no</strong>. Dos vetera<strong>no</strong>s, já não há muitos. Sou o último dos sete colegas <strong>de</strong> turma que vieram para cá. Todos falam <strong>de</strong> paz e armistício. Todos esperam. Se for outra <strong>de</strong>cepção, eles vão se <strong>de</strong>smoronar, as esperanças são muito fortes; é impossível <strong>de</strong>struí-las sem uma reação brutal. Se não houver paz, então haverá revolução. Tenho catorze dias <strong>de</strong> licença, porque engoli um pouco <strong>de</strong> gás. Num peque<strong>no</strong> jardim, fico sentado o dia inteiro ao sol. O armistício virá em breve, até eu já acredito agora. Então iremos para casa. Neste ponto, meus pensamentos param e não vão mais adiante. O que me atrai e me arrasta são os sentimentos. É a ânsia <strong>de</strong> viver, é a <strong>no</strong>stalgia da terra natal, é o sangue, é a embriaguez da salvação. Mas não são objetivos. Se tivéssemos voltado em 1916, do <strong>no</strong>sso sofrimento e da força <strong>de</strong> <strong>no</strong>ssa experiência, po<strong>de</strong>ríamos ter <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ado uma tempesta<strong>de</strong>. Mas, se voltarmos agora, estaremos cansados, quebrados, <strong>de</strong>primidos, vazios, sem raízes e sem esperança. Não conseguiremos mais achar o caminho. E as pessoas não <strong>no</strong>s compreen<strong>de</strong>rão, pois, antes da <strong>no</strong>ssa, cresceu uma geração que, sem dúvida, passou esses a<strong>no</strong>s aqui junto a nós, mas que já tinha um lar e uma profissão, e que agora voltará para suas antigas colocações e esquecerá a guerra... e, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> nós, crescerá uma geração, semelhante à que fomos em outros tempos, que <strong>no</strong>s será estranha e <strong>no</strong>s <strong>de</strong>ixará <strong>de</strong> lado. Seremos inúteis até para nós mesmos. Envelheceremos, alguns se adaptarão, outros simplesmente resignar-se-ão e a maioria ficará <strong>de</strong>sorientada; os a<strong>no</strong>s passarão e, por fim, pereceremos todos. Mas talvez tudo que penso seja apenas melancolia e <strong>de</strong>salento, que <strong>de</strong>saparecerão quando estiver <strong>de</strong> <strong><strong>no</strong>vo</strong> sob os choupos e ouvir <strong>no</strong>vamente o murmúrio das suas folhas. É impossível que já não existam a doçura que fazia <strong>no</strong>sso sangue agitar-se, a incerteza, o futuro com suas mil faces, a melodia dos sonhos e dos livros, os sussurros e os pressentimentos das mulheres, tudo isto não po<strong>de</strong> ter <strong>de</strong>saparecido <strong>no</strong>s bombar<strong>de</strong>ios, <strong>no</strong> <strong>de</strong>sespero e <strong>no</strong>s bordéis. Aqui, as árvores brilham, alegres e douradas, os frutos das sorveiras têm matizes avermelhados por entre a folhagem; as estradas correm brancas para o horizonte, os boatos <strong>de</strong> paz fazem as cantinas zumbirem como colméias. Levanto-me. Estou muito tranqüilo. Que venham os meses e os a<strong>no</strong>s, não conseguirão tirar mais nada <strong>de</strong> mim, não po<strong>de</strong>m me tirar mais nada. Estou tão só e sem esperança, que posso enfrentá-los sem medo. A vida, que me arrastou por todos esses a<strong>no</strong>s, eu ainda a tenho nas mãos e <strong>no</strong>s olhos. Se a venci, não sei. Mas enquanto existir <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim ― queira ou não esta força que em mim resi<strong>de</strong> e que se chama “Eu” ― ela procurará seu próprio caminho. Tombou morto em outubro <strong>de</strong> 1918, num dia tão tranqüilo em toda a linha
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― Lá não vai faltar comida, Kat
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― Sim. O seu cérebro trabalha. O
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é somente por isso que vão buscá
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Pego o meu fuzil e verifico se est
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― Olhe só os sapatinhos; ela nã
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Sem saber como, encontramo-nos nova
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as árvores diminuem; estas tornam-
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com as minhas. Trocamos poucas pala
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Mas eu me engano. Fica ainda mais f
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apenas o seu setor e, por isso, nã
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Mittelstaedt também... deve estar
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tínhamos pavor, quando se sentava
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