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― Tenho mais um punhado <strong>de</strong>les ― digo. ― E meu companheiro ―<br />
aponto para Albert ― também. Gostaríamos <strong>de</strong> entregá-los ao senhor, amanhã <strong>de</strong><br />
manhã, pela janela do trem sanitário.<br />
Enten<strong>de</strong> perfeitamente, cheira-os mais uma vez e diz:<br />
― Combinado!<br />
À <strong>no</strong>ite, não conseguimos dormir um minuto sequer. Na sala on<strong>de</strong> estamos,<br />
morrem sete homens. Um <strong>de</strong>les canta hi<strong>no</strong>s durante uma hora, antes <strong>de</strong> agonizar,<br />
numa voz <strong>de</strong> te<strong>no</strong>r.<br />
Outro, antes <strong>de</strong> morrer, rasteja da cama até a janela, e fica lá, estendido,<br />
como se quisesse olhar para fora pela última vez.<br />
Nossas macas já estão na estação. Aguardamos o trem. Chove, e a estação<br />
não tem telhado; <strong>no</strong>ssos cobertores são muito fi<strong>no</strong>s. Há duas horas que<br />
esperamos.<br />
O primeiro-sargento cuida <strong>de</strong> nós como uma mãe. Apesar <strong>de</strong> me sentir<br />
muito mal, não esqueço o <strong>no</strong>sso pla<strong>no</strong>. Assim, com o ar mais i<strong>no</strong>cente, mostro-lhe<br />
o embrulho com os charutos, dando-lhe apenas um, como adiantamento. Em<br />
troca, o primeiro-sargento cobre-<strong>no</strong>s com uma lona impermeável.<br />
― Albert, meu velho ― lembro-me -, e a cama com baldaquim e tudo... e o<br />
<strong>no</strong>sso gato...<br />
― E as poltronas? ― acrescenta ele.<br />
Sim, as poltronas <strong>de</strong> veludo vermelho... Como príncipes, nós <strong>no</strong>s<br />
sentávamos nelas, enquanto fazíamos pla<strong>no</strong>s <strong>de</strong> alugá-las mais tar<strong>de</strong>: um cigarro<br />
por hora. Teria sido uma vida <strong>de</strong>spreocupada e um gran<strong>de</strong> negócio.<br />
― Albert ― digo, lembrando-me-, e os <strong>no</strong>ssos sacos <strong>de</strong> comida?<br />
Uma gran<strong>de</strong> melancolia <strong>no</strong>s inva<strong>de</strong>. Po<strong>de</strong>ríamos ter aproveitado tanto<br />
aquelas coisas... Se o trem tivesse partido um dia mais tar<strong>de</strong>, com certeza Kat ter<strong>no</strong>s-ia<br />
achado e trazido toda a tralha.<br />
Maldito azar! Temos sopa <strong>de</strong> farinha na barriga, magra alimentação <strong>de</strong><br />
hospital, ao passo que os sacos estão cheios <strong>de</strong> carne <strong>de</strong> porco assada. Mas<br />
estamos tão enfraquecidos que nem conseguimos <strong>no</strong>s irritar com estas<br />
recordações.<br />
De manhã, quando o trem chega, as macas estão encharcadas. O primeirosargento<br />
se encarrega <strong>de</strong> instalar-<strong>no</strong>s <strong>no</strong> mesmo vagão. Há um grupo <strong>de</strong><br />
enfermeiras da Cruz Vermelha. Kropp é colocado embaixo. Levantam-me e me<br />
acomodam na cama <strong>de</strong> cima.<br />
― Meu Deus! ― exclamo, <strong>de</strong> repente.<br />
― Que há? ― pergunta a enfermeira.<br />
Olho <strong>no</strong>vamente para a cama. Está coberta <strong>de</strong> lençóis<br />
brancos como a neve, tão limpos que ainda se vêem os vincos do ferro. Em<br />
compensação, minha camisa não é lavada há seis semanas. Está imunda.<br />
― Não consegue subir sozinho? ― pergunta a enfermeira, preocupada.<br />
― Não é isto ― digo. ― Mas a senhora quer tirar a roupa <strong>de</strong> cama