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Nada de novo no front(pdf)

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falar.<br />

Nossa exaustão é tanta que, apesar da terrível fome, nem pensamos <strong>no</strong>s<br />

enlatados. Só pouco a pouco vamos <strong>no</strong>s transformando <strong>no</strong>vamente em algo<br />

parecido com seres huma<strong>no</strong>s.<br />

Esta carne em conserva é famosa em toda a frente <strong>de</strong> batalha. Às vezes,<br />

chega a ser a principal razão das investidas do <strong>no</strong>sso lado, porque <strong>no</strong>ssa<br />

alimentação em geral é péssima; estamos sempre com fome.<br />

Pegamos um total <strong>de</strong> cinco latas. Os do outro lado são bem tratados, a<br />

comida, comparada à <strong>no</strong>ssa, parece excelente; estamos sempre famintos com a<br />

<strong>no</strong>ssa geléia <strong>de</strong> nabo.<br />

Eles têm carne à vonta<strong>de</strong>; basta esten<strong>de</strong>r a mão para apanhála. Haie<br />

apo<strong>de</strong>rou-se também <strong>de</strong> um pão francês, comprido, e enfiou-o <strong>no</strong> cinturão como<br />

se fosse uma pá. Uma das extremida<strong>de</strong>s está um pouco ensangüentada, mas é fácil<br />

cortá-la.<br />

É uma sorte termos algo <strong>de</strong> bom para comer agora; ainda precisaremos <strong>de</strong><br />

<strong>no</strong>ssas forças. Comer até à sacieda<strong>de</strong> é tão importante quanto um bom abrigo:<br />

po<strong>de</strong> salvar-<strong>no</strong>s a vida, é por essa razão que estamos tão ávidos <strong>de</strong> alimento.<br />

Tja<strong>de</strong>n arrecadou ainda dois cantis <strong>de</strong> conhaque e nós os passamos <strong>de</strong> mão<br />

em mão.<br />

A “bênção <strong>no</strong>turna” <strong>no</strong>s é administrada pela artilharia. A <strong>no</strong>ite chega, e das<br />

trincheiras sobem neblinas. Parece que estes buracos estão cheios <strong>de</strong> misteriosos<br />

espectros.<br />

O vapor branco rasteja aqui e ali, cautelosamente, antes <strong>de</strong> ousar erguer-se<br />

além das bordas das crateras. Depois, compridas faixas <strong>de</strong> vapor espalham-se <strong>de</strong><br />

trincheira em trincheira.<br />

Faz frio. Estou <strong>de</strong> sentinela e contemplo fixamente a escuridão. Sinto-me<br />

fraco, como sempre acontece <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um ataque, e, por isso, é difícil ficar a sós<br />

com meus pensamentos. Nem pensamentos são, mas lembranças que me<br />

perseguem na minha fraqueza, afetando-me estranhamente.<br />

Os foguetes lumi<strong>no</strong>sos elevam-se <strong>no</strong> espaço e vejo uma imagem à minha<br />

frente: é uma tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> verão e estou <strong>no</strong> claustro da catedral, admirando as roseiras<br />

que florescem <strong>no</strong> meio <strong>de</strong> peque<strong>no</strong> jardim da igreja, on<strong>de</strong> são enterrados os<br />

fra<strong>de</strong>s. Ao redor, vêem-se as Estações da Cruz esculpidas em pedra. Não há<br />

ninguém; reina um gran<strong>de</strong> silêncio neste quadrilátero florido, o sol brilha quente<br />

nas e<strong>no</strong>rmes pedras acinzentadas; ponho as mãos sobre elas e sinto o seu calor.<br />

No canto direito do telhado <strong>de</strong> ardósia, ergue-se a torre ver<strong>de</strong> da catedral,<br />

para o azul-pálido e suave do céu do a<strong>no</strong>itecer. Entre as pequenas colunas polidas<br />

do claustro, armaze<strong>no</strong>u-se a doce e fresca penumbra que só as igrejas têm. Fico<br />

ali, imóvel, pensando que, quando tiver vinte a<strong>no</strong>s, conhecerei as emoções<br />

perturbadoras que vêm das mulheres.<br />

A imagem é tristemente real; está perto <strong>de</strong> mim, emociona-me, antes <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sfazer-se sob o clarão do próximo sinal lumi<strong>no</strong>so.

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