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Nada de novo no front(pdf)

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e que sempre se assemelham uns aos outros.<br />

Com certeza, sua mulher está pensando nele agora; ela ig<strong>no</strong>ra o que<br />

aconteceu. Ele parece ser <strong>de</strong>sses que escrevem muito para a mulher; ela ainda<br />

<strong>de</strong>ve receber cartas <strong>de</strong>le amanhã, daqui a uma semana talvez; uma carta<br />

extraviada daqui a um mês. Ela vai lê-Ia e será como se ele lhe falasse.<br />

Meu estado fica cada vez pior, não consigo mais controlar meus<br />

pensamentos. Como será a mulher? Será como a morena esguia do outro lado do<br />

canal? E ela me pertence? Talvez passe a me pertencer agora, por este ato! Ah, se<br />

Kantorek estivesse aqui a meu lado! Se minha mãe pu<strong>de</strong>sse me ver... Com<br />

certeza, o morto po<strong>de</strong>ria ter vivido ainda uns trinta a<strong>no</strong>s, se eu tivesse gravado<br />

melhor o caminho <strong>de</strong> volta. Se tivesse corrido dois metros a mais para a esquerda,<br />

ele estaria agora <strong>de</strong>itado na trincheira, escrevendo outra carta para a mulher.<br />

Mas, assim, não vou melhorar, pois este é o <strong>de</strong>sti<strong>no</strong> <strong>de</strong> todos nós; se<br />

Kemmerich tivesse ficado com a perna vinte centímetros para a direita, se Haie<br />

tivesse se abaixado mais cinco centímetros...<br />

O silêncio prolonga-se. Falo, preciso falar. Assim, dirijo-me a ele e digolhe:<br />

― Companheiro, não queria matá-lo. Se saltasse <strong>no</strong>vamente aqui para<br />

<strong>de</strong>ntro, não o faria, se você também fosse razoável. Mas, antes, você era apenas<br />

um pensamento, uma <strong>de</strong>ssas abstrações que povoam meu cérebro e que exigem<br />

uma <strong>de</strong>cisão... Foi essa abstração que apunhalei. Mas agora, pela primeira vez,<br />

vejo que é um ser huma<strong>no</strong> como eu.<br />

Pensei nas suas granadas, na sua baioneta e <strong>no</strong> seu fuzil. Agora, vejo sua<br />

mulher, seu rosto e o que temos em comum. Perdoe-me, companheiro. Só vemos<br />

as coisas tar<strong>de</strong> <strong>de</strong>mais. Por que não <strong>no</strong>s repetem sempre que vocês são também<br />

uns pobres-diabos como nós, que suas mães se inquietam como as <strong>no</strong>ssas e que<br />

temos o mesmo medo da morte e morremos do mesmo modo, sentindo a mesma<br />

dor?...<br />

“Perdoe-me, companheiro, como é que você pô<strong>de</strong> ser meu inimigo? Se<br />

jogássemos fora estas armas e estas fardas, po<strong>de</strong>ria ser meu irmão, como Kat e<br />

Albert. Tire vinte a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> minha vida, companheiro, e levante-se... tire mais,<br />

porque não sei o que farei <strong>de</strong>les agora.”<br />

Tudo está tranqüilo. A frente está calma, à exceção do crepitar dos fuzis.<br />

As balas suce<strong>de</strong>m-se umas às outras. Eles não atiram ao acaso, mas fazem-me<br />

uma pontaria cuidadosa, tanto <strong>de</strong> um lado quanto do outro. Não posso sair daqui.<br />

― Vou escrever para sua mulher ― digo, precipitadamente, ao morto. ―<br />

Quero escrever-lhe, ela <strong>de</strong>ve sabê-lo por mim, quero dizer-lhe tudo que lhe digo<br />

agora, ela não <strong>de</strong>verá sofrer, quero ajudá-la, e a seus pais também, e ajudar seu<br />

filho...<br />

A farda ainda está aberta. É fácil encontrar sua carteira. Mas hesito em abrila.<br />

Dentro <strong>de</strong>la, há a ca<strong>de</strong>rneta militar com seu <strong>no</strong>me. Enquanto não o souber,

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