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Nada de novo no front(pdf)

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lembrar-<strong>no</strong>s-íamos <strong>de</strong>le e ama-lo-íamos; ficaríamos comovidos ao vê-lo, mas<br />

seria o mesmo que olhar a fotografia <strong>de</strong> um companheiro morto: as feições são<br />

suas, os traços são seus e é o seu rosto; são os dias que passamos juntos que<br />

ganham uma sombra <strong>de</strong> vida na <strong>no</strong>ssa memória, mas já não é mais ele.<br />

Nunca mais po<strong>de</strong>remos participar <strong>de</strong>ssas cenas como antes. Não era o<br />

reconhecimento <strong>de</strong> sua beleza nem o seu significado que <strong>no</strong>s atraíam, mas uma<br />

comunhão, a harmonia <strong>de</strong> uma fraternida<strong>de</strong> com as coisas e os acontecimentos da<br />

<strong>no</strong>ssa existência, que <strong>no</strong>s isolava e fazia do mundo <strong>de</strong> <strong>no</strong>ssos pais algo <strong>de</strong><br />

incompreensível; <strong>de</strong> alguma forma, nós <strong>no</strong>s <strong>de</strong>ixávamos subjugar por<br />

acontecimentos e <strong>no</strong>s perdíamos neles ― as coisas mais insignificantes<br />

terminavam infalivelmente às portas do infinito... Talvez fosse apenas o privilégio<br />

<strong>de</strong> <strong>no</strong>ssa juventu<strong>de</strong>; ainda não tínhamos vislumbrado nenhum limite e jamais<br />

admitíamos um fim; tínhamos a esperança <strong>no</strong> sangue, que <strong>no</strong>s i<strong>de</strong>ntificava com a<br />

marcha dos <strong>no</strong>ssos dias.<br />

Hoje, passaríamos pela paisagem <strong>de</strong> <strong>no</strong>ssa juventu<strong>de</strong> apenas como<br />

viajantes. Os fatos <strong>no</strong>s consumiram; como os comerciantes, sabemos distinguir as<br />

diferenças e, como os carniceiros, sabemos reconhecer as necessida<strong>de</strong>s. Já não<br />

somos <strong>de</strong>spreocupados; vivemos numa terrível indiferença. Se estivéssemos lá,<br />

será que viveríamos? Desamparados como crianças e experientes como velhos,<br />

somos primitivos, tristes e superficiais... Acho que estamos perdidos.<br />

Minhas mãos ficam frias e minha pele arrepia-se; mas a <strong>no</strong>ite está quente.<br />

Só a neblina é fresca, esta neblina sinistra, que ronda os mortos à <strong>no</strong>ssa frente, e<br />

<strong>de</strong>les suga o último sopro <strong>de</strong> vida. Amanhã, estarão pálidos e esver<strong>de</strong>ados, e seu<br />

sangue, coagulado e negro.<br />

Os foguetes lumi<strong>no</strong>sos ainda sobem e <strong>de</strong>rramam sua luz impiedosa sobre a<br />

paisagem petrificada, cheia <strong>de</strong> crateras, como uma fria paisagem lunar. O sangue<br />

que corre embaixo <strong>de</strong> minha pele leva medo e inquietação aos meus pensamentos:<br />

eles se enfraquecem e tremem, precisam <strong>de</strong> calor e vida. Não resistem, sem o<br />

consolo e sem a ilusão; confun<strong>de</strong>m-se diante do quadro nu do <strong>de</strong>sespero.<br />

Ouço o ruído <strong>de</strong> panelas e sinto imediatamente um violento <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong><br />

comida quente, que me fará bem e me acalmará. Com dificulda<strong>de</strong>, obrigo-me a<br />

esperar o momento <strong>de</strong> minha substituição.<br />

Depois, <strong>de</strong>sço para o abrigo e encontro à minha espera uma marmita com<br />

mingau. Foi preparado com gordura e parece apetitoso. Como lentamente e em<br />

silêncio, embora os outros mostrem-se mais bem-humorados, porque o<br />

bombar<strong>de</strong>io diminuiu.<br />

Os dias se suce<strong>de</strong>m, e cada hora é ao mesmo tempo incompreensível e<br />

natural. Os ataques seguem-se aos contra-ataques, e, lentamente, <strong>no</strong>s espaços<br />

livres das trincheiras, os mortos se empilham. Geralmente, conseguimos trazer <strong>de</strong><br />

volta alguns feridos; <strong>no</strong> entanto, alguns ficam estendidos por muito tempo, e nós<br />

os ouvimos morrer.<br />

Procuramos um <strong>de</strong>les em vão durante dois dias. Deve estar <strong>de</strong>itado <strong>de</strong>

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