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Nada de novo no front(pdf)

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conhecemos muito... o pavor da morte, sim, isto é outra coisa, é físico.<br />

Mas <strong>no</strong>ssos companheiros estão mortos, não po<strong>de</strong>mos ajudá-los; <strong>de</strong>scansam<br />

em paz. Quem sabe o que <strong>no</strong>s espera ainda? Queremos é <strong>no</strong>s atirar <strong>no</strong> chão e<br />

dormir, ou encher o estômago, beber e fumar, para que as horas não sejam<br />

<strong>de</strong>sperdiçadas. A vida é curta.<br />

O horror da frente <strong>de</strong>saparece quando lhe voltamos as costas e enfrentamolo<br />

com piadas infames e <strong>de</strong> mau gosto. É um humor grosseiro, mas é assim que<br />

falamos <strong>de</strong> tudo, até mesmo da morte, porque isso <strong>no</strong>s salva da loucura. Enquanto<br />

aceitamos os acontecimentos <strong>de</strong>ssa forma, sentimo<strong>no</strong>s capazes <strong>de</strong> resistir.<br />

Mas não esquecemos a frente <strong>de</strong> batalha! O que sai <strong>no</strong>s jornais <strong>de</strong> guerra<br />

sobre o moral das tropas, que se divertem organizando peque<strong>no</strong>s bailes logo que<br />

chegam do bombar<strong>de</strong>io, não passa <strong>de</strong> asneiras sem o me<strong>no</strong>r fundamento. Não<br />

fazemos isso porque temos bom humor, mas porque somos obrigados a arranjá-lo;<br />

caso contrário, estaria tudo perdido. Aliás, quase esgotamos <strong>no</strong>ssos recursos, e o<br />

tal humor fica cada vez mais amargo.<br />

Já sei que tudo aquilo que agora, enquanto ainda estamos na guerra, afunda<br />

em nós como uma pedra <strong>de</strong>spertará <strong>no</strong>vamente <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>la, e, a partir <strong>de</strong> então,<br />

começará a gran<strong>de</strong> luta. De vida ou <strong>de</strong> morte.<br />

Ressuscitarão os dias, as semanas, os a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> frente, e <strong>no</strong>ssos<br />

companheiros mortos levantar-se-ão para marchar co<strong>no</strong>sco; <strong>no</strong>ssas mentes estarão<br />

lúcidas, teremos um objetivo e assim marcharemos, com os companheiros mortos<br />

ao <strong>no</strong>sso lado, os a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> frente como retaguarda. Contra quem? Contra quem<br />

marcharemos?<br />

Aqui <strong>no</strong> setor, há algum tempo, houve um teatro do <strong>front</strong>. Num tapume,<br />

estão ainda colados cartazes coloridos das apresentações. Com os olhos abertos,<br />

Kropp e eu paramos diante <strong>de</strong>les. Não conseguimos compreen<strong>de</strong>r que ainda<br />

existam coisas assim. Na gravura, vê-se uma moça <strong>de</strong> vestido claro, <strong>de</strong> verão,<br />

com um cinto <strong>de</strong> verniz vermelho. Apóia uma das mãos <strong>no</strong> corrimão e, com a<br />

outra, segura um chapéu <strong>de</strong> palha. Usa meias e sapatos brancos. Sapatos leves, <strong>de</strong><br />

fivela, com saltos altos. Atrás <strong>de</strong>la, brilha o mar azul, com algumas cristas <strong>de</strong><br />

ondas, e, <strong>de</strong> um lado, esten<strong>de</strong>-se uma baía cheia <strong>de</strong> luz. É uma garota encantadora,<br />

<strong>de</strong> nariz fi<strong>no</strong>, lábios vermelhos e pernas compridas, incrivelmente limpa e<br />

arrumada; com certeza, toma banho duas vezes por dia e as unhas nunca ficam<br />

sujas. No máximo, só têm um pouco <strong>de</strong> areia da praia.<br />

Ao seu lado está um homem <strong>de</strong> calças brancas, paletó azul e gorro <strong>de</strong><br />

velejar, mas este não <strong>no</strong>s interessa tanto.<br />

A garota do cartaz constitui, para nós, um milagre. Havíamos esquecido<br />

totalmente que <strong>no</strong> mundo existem coisas assim, e, mesmo agora, quase não<br />

acreditamos em <strong>no</strong>ssos olhos. Há a<strong>no</strong>s que não vemos nada parecido, nem<br />

qualquer coisa que <strong>de</strong> longe mostre tanta beleza, tanta felicida<strong>de</strong> e tanta calma.<br />

Esta é a verda<strong>de</strong>ira paz, assim como ela <strong>de</strong>ve ser, pensamos, comovidos.

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