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Nada de novo no front(pdf)

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um músico muito jovem. As enfermeiras nunca trazem facas quando lhe dão<br />

comida, porque uma vez ele a arrancou <strong>de</strong> suas mãos. Apesar <strong>de</strong>sta precaução, há<br />

um aci<strong>de</strong>nte. À <strong>no</strong>ite, na hora do jantar, a enfermeira recebe um chamado <strong>de</strong> outra<br />

enfermaria e <strong>de</strong>ixa o prato com o garfo em cima da mesa, ao seu lado. Ele tateia<br />

até encontrar o garfo, enterra-o, violentamente, na altura do coração; <strong>de</strong>pois, pega<br />

uma bota e bate <strong>no</strong> cabo do garfo com toda a força <strong>de</strong> que dispõe. Gritamos por<br />

socorro e são necessários três homens para retirar o garfo. Os <strong>de</strong>ntes cegos do<br />

garfo haviam penetrado profundamente. Durante toda a <strong>no</strong>ite, pragueja contra<br />

nós, impedindo-<strong>no</strong>s <strong>de</strong> dormir. De manhã, tem uma crise <strong>de</strong> choro.<br />

As camas ficam <strong>no</strong>vamente vagas. Os dias se suce<strong>de</strong>m, entre dores e medo,<br />

gemidos e estertores. Até mesmo o quarto da morte não chega para as<br />

necessida<strong>de</strong>s: é peque<strong>no</strong> <strong>de</strong>mais. À <strong>no</strong>ite, os homens morrem na <strong>no</strong>ssa enfermaria.<br />

A morte é mais rápida do que as Irmãs.<br />

Mas, um belo dia, a porta se escancara, o famoso carrinho rola para <strong>de</strong>ntro,<br />

e, pálido e magro, sentado com um ar triunfante, os cabelos pretos revoltos, lá está<br />

Peter! Radiante, a Irmã Libertine leva-o até a sua antiga cama. Voltou do quarto<br />

da morte. Nós o consi<strong>de</strong>rávamos morto há muito tempo. Ele olha à sua volta.<br />

― E agora, que acham disto?<br />

E o próprio Josef tem <strong>de</strong> reconhecer que é a primeira vez que presencia<br />

uma coisa <strong>de</strong>ssas.<br />

Com o passar do tempo, alguns recebem autorização para se levantar.<br />

Recebo umas muletas, para me ajudarem a capengar por aí. Mas não faço muito<br />

uso <strong>de</strong>las; não consigo suportar o olhar <strong>de</strong> Albert, quando me vê andando pelo<br />

quarto. Ele me fita sempre com uns olhos tão estranhos! Por isso às vezes fujo<br />

para o corredor; lá posso movimentar-me mais livremente.<br />

No andar <strong>de</strong> baixo, estão os que receberam tiros na barriga, na coluna e na<br />

cabeça e os casos <strong>de</strong> amputações bilaterais. Na ala direita, os que foram atingidos<br />

<strong>no</strong> maxilar, os intoxicados pelos gases vene<strong>no</strong>sos e os feridos <strong>no</strong> nariz, ouvido e<br />

pescoço. Na ala esquerda, os cegos, os feridos <strong>no</strong> pulmão, bacia, articulações,<br />

rins, testículos e estômago. Aqui, .vê-se pela primeira vez em quantos lugares o<br />

corpo huma<strong>no</strong> po<strong>de</strong> ser atingido.<br />

Dois homens morrem <strong>de</strong> téta<strong>no</strong>. A pele fica lívida, os membros enrijecem<br />

e, por fim, só os olhos teimam em viver. Muitos têm o membro atingido suspenso<br />

<strong>no</strong> ar por uma espécie <strong>de</strong> roldana; embaixo, colocam uma bacia, para on<strong>de</strong> escorre<br />

o pus. De duas em duas, ou três em três horas, eles esvaziam-na. Outros ficam em<br />

tração, com pesados sacos <strong>de</strong> areia que pen<strong>de</strong>m da cama. Vejo ferimentos <strong>no</strong>s<br />

intesti<strong>no</strong>s, que estão constantemente cheios <strong>de</strong> fezes. O auxiliar do médico<br />

mostra-me radiografias com ossos do quadril, joelhos e ombros totalmente<br />

esmagados.<br />

Não se consegue compreen<strong>de</strong>r como, em corpos tão dilacerados, ainda há<br />

rostos <strong>de</strong> seres huma<strong>no</strong>s em que a evolução da vida prossegue <strong>no</strong>rmalmente. E,

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