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Mas eu me enga<strong>no</strong>. Fica ainda mais furioso:<br />
― Certamente acha que po<strong>de</strong> trazer para cá os maus costumes do <strong>front</strong>, não<br />
é? Pois está redondamente enganado. Graças a Deus, aqui domina a or<strong>de</strong>m! Vinte<br />
passos à retaguarda, marche ― comanda.<br />
Dentro <strong>de</strong> mim, ferve uma raiva surda.<br />
Mas nada posso fazer, mandar-me-ia pren<strong>de</strong>r imediatamente, se quisesse.<br />
Então, recuo, avanço, e, seis metros à sua frente, contraio-me numa continência<br />
garbosa, que só relaxo quando me encontro a seis metros <strong>de</strong> distância.<br />
Ele me chama <strong>no</strong>vamente e, com benevolência, me explica que mais uma<br />
vez está colocando a pieda<strong>de</strong> acima do regulamento. Mostro-me <strong>de</strong>vidamente<br />
agra<strong>de</strong>cido.<br />
― Po<strong>de</strong> retirar-se ― comanda.<br />
Dou meia-volta e vou embora.<br />
Foi o suficiente para estragar-me a <strong>no</strong>ite. Apresso-me a ir para casa e jogo a<br />
farda a um canto; aliás, era o que já <strong>de</strong>veria ter feito. Em seguida, apanho meu<br />
ter<strong>no</strong> <strong>no</strong> armário e visto-o.<br />
Sinto-me totalmente estranho. O ter<strong>no</strong> fica um tanto curto e apertado,<br />
porque cresci enquanto estava lá na tropa. O colarinho e a gravata me dão algum<br />
trabalho. No fim, minha irmã é quem dá o nó. Como é leve um ter<strong>no</strong>: é como se<br />
estivesse só <strong>de</strong> ceroulas e <strong>de</strong> camisa. Olho-me <strong>no</strong> espelho. É uma estranha<br />
imagem: parece um comungante, queimado pelo sol, que cresceu <strong>de</strong>pressa<br />
<strong>de</strong>mais.<br />
Minha mãe fica contente por eu estar à paisana; pareço mais próximo <strong>de</strong>la.<br />
Mas meu pai preferia que estivesse <strong>de</strong> farda, gostaria que eu fosse com ele assim<br />
visitar os amigos.<br />
Mas recuso-me a acompanhá-lo.<br />
Como é agradável ficar sentado tranqüilamente em algum lugar, como, por<br />
exemplo, <strong>no</strong> café que fica <strong>no</strong> jardim em frente aos castanheiros, perto do boliche.<br />
As folhas caem sobre a mesa e <strong>no</strong> chão. São poucas, são as primeiras. Tenho<br />
diante <strong>de</strong> mim um caneco <strong>de</strong> cerveja, aprendi a beber na tropa. O caneco está pela<br />
meta<strong>de</strong>, mas ainda há uns bons goles gelados para saborear, e, além disso, posso<br />
pedir um segundo e um terceiro, se quiser. Não há chamada nem bombar<strong>de</strong>io, os<br />
filhos do do<strong>no</strong> brincam na pista do boliche, e o cachorro vem encostar a cabeça <strong>no</strong><br />
meu joelho. O céu está azul; por entre o ver<strong>de</strong> dos castanheiros, ergue-se a torre<br />
da igreja <strong>de</strong> Santa Margarida. Como isto é bom, como gosto <strong>de</strong> tudo. Mas não<br />
consigo me enten<strong>de</strong>r com as pessoas. A única que nada pergunta é minha mãe.<br />
Mas, com meu pai, já é diferente. Gostaria que lhe falasse sobre o <strong>front</strong>, tem uma<br />
curiosida<strong>de</strong> que acho ao mesmo tempo tola e comovente; perdi a intimida<strong>de</strong> que<br />
tinha com ele. Compreendo que não saiba que essas coisas não po<strong>de</strong>m ser<br />
contadas, apesar <strong>de</strong> ter vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> agradar-lhe; mas é muito perigoso para mim<br />
transformar os acontecimentos em palavras: tenho medo <strong>de</strong> que eles então se<br />
agigantem <strong>de</strong> tal modo que eu não consiga mais dominá-los. On<strong>de</strong> estaríamos, se