Revista Universidade e Sociedade - Andes-SN
Revista Universidade e Sociedade - Andes-SN
Revista Universidade e Sociedade - Andes-SN
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Atualidade em Foco<br />
Campos. As casas eram de alvenaria, tendo sido<br />
erguidas com o passar dos anos, e a área continha<br />
cerca de 80 comércios, uma praça e oito igrejas<br />
e templos religiosos, demonstrando a profunda<br />
consolidação daquela comunidade no terreno.<br />
Além das construções feitas no Pinheirinho,<br />
havia espaços vazios reservados para a instalação de<br />
escolas, postos de saúde e outros serviços públicos,<br />
de acordo com Valdir Martins, o Marrom, uma das<br />
principais lideranças do MUST (Movimento Urbano<br />
dos Sem Teto). Presente desde o início, Marrom relata<br />
como foi a ocupação: “no dia 26 de fevereiro de 2004,<br />
pulamos carnaval até tarde da noite e ocupamos um<br />
terreno. Nós entramos com 250 famílias e em poucos<br />
dias já tínhamos uma propriedade muito grande”. À<br />
época da reintegração, havia cerca de 1.700 famílias.<br />
Negociações traídas<br />
A noite anterior ao despejo havia sido de<br />
comemoração no Pinheirinho. Parlamentares, o<br />
Judiciário e representantes da Selecta S/A haviam<br />
chegado a um acordo: a reintegração de posse seria<br />
suspensa por 15 dias, para que se encontrasse uma<br />
solução que não a retirada das famílias. Marrom<br />
relata que a população estava tranquila. “Sábado teve<br />
uma assembleia grande, as pessoas comemoraram<br />
e a gente não esperava que tal brutalidade fosse<br />
acontecer”, diz.<br />
O acordo foi selado na quarta-feira anterior, dia<br />
18. Por sugestão do desembargador Ivan Sartori,<br />
presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo<br />
(TJ/SP), parlamentares, contrários ao despejo, se<br />
encontraram com o juiz de falências, Luiz Beethoven<br />
Giffoni Ferreira, o síndico da massa falida da Selecta<br />
S/A, Jorge Uwada e o advogado da empresa, Waldir<br />
Helu. O deputado federal Ivan Valente (PSOL/SP),<br />
presente na reunião, relata que a partir daí iniciaramse<br />
os esforços para alcançar uma solução: “ficou claro,<br />
e para toda a imprensa inclusive, que havia uma<br />
negociação em curso e que poderíamos dar uma<br />
solução política ao caso”.<br />
Os parlamentares conseguiram acenos de que<br />
os governos estadual e federal estariam dispostos<br />
a regularizar a área. Entretanto, para o defensor<br />
público de São José dos Campos, Jairo Salvador, nesse<br />
176 UNIVERSIDADE E SOCIEDADE<br />
momento a prefeitura se omitiu diante das negociações.<br />
Ele relata uma reunião em que representantes dos<br />
três níveis do Executivo se reuniram com Márcia<br />
Loureiro para discutir o Pinheirinho: “a juíza foi bem<br />
clara em dizer que se a prefeitura aceitasse [o acordo],<br />
ela suspenderia a reintegração”. Entretanto, o poder<br />
municipal postergou a tomada de decisão, na visão<br />
de Salvador isso foi feito “dolosamente, de forma<br />
concatenada, esperaram a desocupação para criar<br />
uma situação irreversível, o que e fato aconteceu”.<br />
Naquela manhã, a população do Pinheirinho<br />
dormia aliviada. A vida construída nos oito anos de<br />
ocupação não seria destruída da noite para o dia. Entre<br />
cinco e seis horas, porém, foram acordados de maneira<br />
abrupta. Policiais com seus cães invadiam casas,<br />
muitas vezes apontando armas para os moradores,<br />
fazendo com que pulassem da cama e deixassem<br />
o local. Outras pessoas acabaram acordadas pelas<br />
bombas de efeito moral caindo em cima e até dentro<br />
das suas moradas, arremessadas dos helicópteros da<br />
Polícia Militar, que sobrevoavam o local.<br />
A surpresa foi generalizada. O acordo entre<br />
membros dos poderes Legislativo, Judiciário e<br />
Executivo havia sido rompido de forma unilateral.<br />
Posteriormente, já durante a reintegração, seria<br />
publicizado que o juiz Beethoven havia revogado<br />
sua própria decisão de suspender a ação. O senador<br />
Eduardo Suplicy (PT/SP), que também participou<br />
das negociações, considerou o fato inusitado. “O mais<br />
surpreendente foi que o juiz revogou a sua própria<br />
determinação”, afirma. No entanto, a publicação de<br />
tal medida se daria apenas dias após o despejo, o<br />
que na opinião de Ivan Valente teria sido mais uma<br />
ilegalidade da ação. “Não podiam ter entrado sem a<br />
revogação da medida”, defende.<br />
O senador Suplicy relata ainda que nos dias<br />
antecedentes ao despejo havia conversado diretamente<br />
com o governador Geraldo Alckmin e com<br />
Eduardo Cury, prefeito de São José dos Campos, em<br />
busca de uma solução. O mandatário estadual havia<br />
se mostrado disposto a ajudar: “ele não falou que<br />
já estava definida a reintegração”, afirma Suplicy. A<br />
desconfiança é compartilhada por Renato Simões, exdeputado<br />
estadual e conselheiro do Condepe, “não se<br />
monta uma operação dessas de um dia para o outro”.