Revista Universidade e Sociedade - Andes-SN
Revista Universidade e Sociedade - Andes-SN
Revista Universidade e Sociedade - Andes-SN
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Escritos Militantes<br />
52 UNIVERSIDADE E SOCIEDADE<br />
sabemos que na longa história da ativi dade<br />
humana, em sua incessante luta pela sobrevivência,<br />
pela conquista da dignidade, humanidade<br />
e felicidade social, o mundo do trabalho tem sido<br />
vital. Foi por meio do ato laborativo, que Marx<br />
denominou atividade vital, que os indivíduos,<br />
homens e mulheres, distinguiram-se dos<br />
animais. (ANTUNES, 2005, p. 13)<br />
O trabalho como atividade vital também é<br />
reafirmado pela percepção do desempregado, quando<br />
considera que essa condição não é boa “tanto é que eu<br />
pareço até uma boneca fantoche, aparece um emprego<br />
e eu vô. Lá vou eu correndo, cheia de esperança, eu<br />
deixo currículo, claro, eu não boto tanta coisa, eu não<br />
tenho referência, mas eu boto” (entrevista, 2011-2).<br />
Desta forma, podemos corroborar com Castels, na<br />
síntese trazida por Antunes de que:<br />
O trabalho permanece como referência<br />
central, não só em sua dimensão econômica,<br />
mas também quando se concebe o trabalho em<br />
seu universo psicológico, cultural e simbólico,<br />
fato perceptível quando se analisam as reações<br />
daqueles que vivenciam cotidianamente o<br />
flagelo do desemprego, do não trabalho, do não<br />
labor (2011, p. 13).<br />
Que subjetividade se constrói no desemprego?<br />
Como é possível esperar daqueles que estão<br />
à margem da “atividade vital” a recriação de<br />
novas formas de fazer, frente à condição em que<br />
se encontram? A pesquisa tem revelado que o<br />
entendimento de trabalho e emprego se confunde,<br />
sendo tratados como sinônimos, quando não o são,<br />
e tem demonstrado que o trabalho continua sendo<br />
central na constituição da vida humana.<br />
A pesquisa tem mostrado, também, que a<br />
condição de desempregado impõe uma busca<br />
incessante por algo para fazer e que, portanto, o<br />
tempo do desempregado transforma-se num tempo<br />
permanentemente ocupado. Ocupado na busca de<br />
algum “bico”, de alguma coisa para fazer que possibilite<br />
a sobrevivência. Pode-se dizer que o desempregado,<br />
que desconhece as teses do “fim da sociedade do<br />
trabalho”, persegue-o, não porque teoricamente o<br />
quer afirmar, mas porque concretamente sente, sabe<br />
e percebe que, sem trabalho, não sobrevive. Este<br />
passa a ser condição, não importando sob que forma<br />
e que relação, o que importa é sua existência. Pode-se<br />
dizer também que o desempregado vive a apologia<br />
ao emprego, sente “fisicamente” a sua ausência, pois<br />
esta implica em não condições de alimentação, de<br />
saúde, de habitação, de escolarização. Para ele, cada<br />
dia é um dia de luta corporal contra o desemprego<br />
e a favor da vida. Ele sabe que para estar ‘de pé’ no<br />
dia seguinte precisa encontrar alguma coisa para<br />
fazer, precisa ‘vender pelo menos parte do seu tempo<br />
desocupado’ para garantir a subsistência. Então, o<br />
trabalho, independentemente de sua forma, que sob<br />
o capital é trabalho explorado, subemprego, emprego<br />
precarizado, desemprego permanente, se reafirma<br />
como atividade vital, assim definida por Marx:<br />
O trabalho é um processo entre o homem e<br />
a natureza, um processo em que o homem, por<br />
sua própria ação, medeia, regula e controla seu<br />
metabolismo com a natureza. Ele mesmo se<br />
defronta com a matéria natural como uma força<br />
natural. Ele põe em movimento as forças naturais<br />
pertencentes à sua corporeidade, braços, pernas,<br />
cabeça e mãos, a fim de se apropriar da matéria<br />
natural numa forma útil à própria vida. Ao atuar,<br />
por meio desse movimento, sobre a natureza<br />
externa a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao<br />
mesmo tempo, sua própria natureza (MARX,<br />
1983, p. 149).<br />
Se, por um lado, as falas dos desempregados<br />
evidenciam uma compreensão de que a ausência<br />
de trabalho se relaciona, principalmente, a não<br />
qualificação e à idade, sendo estes aspectos utilizados<br />
como forma de explicar sua condição, por outro,<br />
as histórias de vida destes sujeitos demonstram<br />
que a experiência do desemprego já vem da sua<br />
‘ancestralidade’. Há uma reprodução desta condição.<br />
Então, na atualidade, são presenciados e sentidos<br />
os efeitos, do que Antunes (2011) denominou de ‘a<br />
nova morfologia do trabalho’ e, ao mesmo tempo,<br />
constata-se que há uma reprodução das condições de<br />
existência, que ao invés de superá-las em decorrência<br />
de um maior desenvolvimento, no sentido da<br />
emancipação humana, o efeito é contrário porque<br />
aumentam as adversidades ligadas à possibilidade do<br />
trabalho/emprego. O que não significa, portanto, o<br />
fim da exploração do trabalho humano.