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Revista Universidade e Sociedade - Andes-SN

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Pra mim, fazer parte da ocupação mudou<br />

totalmente minha visão de vida, em relação à<br />

militância popular... eu consegui ver o mundo<br />

por outro ângulo. Totalmente diferente.<br />

Coisas assim inimagináveis pra mim, que eu<br />

nem esperava estar vivendo. Mas foi muito<br />

importante! Pra vida do meu filho [...] foi bom<br />

também, porque ele vai crescer aqui no Centro<br />

da cidade. Já estamos inserindo nele a militância,<br />

ele já gosta de participar. Esses dias, nós fomos<br />

pra porta da Caixa Econômica panfletar, e ele foi<br />

também, participou e tal... Então, ele cai dentro<br />

mesmo!<br />

Wellington, 18 anos, conta que se mudou para a<br />

ocupação aos 16 anos, um ano depois do pai. Sobre<br />

o que mudou em sua vida na nova moradia, ele, por<br />

estar participando naquele momento de um curso<br />

de formação política para a juventude no salão da<br />

ocupação, apressadamente diz:<br />

Bom, teve uma boa mudança sim. Eu morava<br />

no Caju e quase não saía de casa. O meu mundo<br />

era ali. Eu jogava futebol ali na quadra, voltava<br />

pra casa, aí ia pra escola... Uma vez arrumei um<br />

curso, e ia fazer... Só isso. Aqui eu já saio, vou pra<br />

praia sozinho, ando pelo Centro, tô procurando<br />

trabalho...<br />

Neide, 44 anos, mãe de dez filhos, seis dos quais<br />

moram com ela na Manoel Congo (com idades<br />

entre 11 e 19 anos), é outra que está nessa luta<br />

desde a ocupação e despejo do Cine Vitória, antes<br />

da conquista do Espaço onde vivem hoje. Sobre as<br />

mudanças que a luta e a nova moradia trouxeram<br />

para a vida de sua família, ela diz:<br />

Mudou muita coisa. Até a saúde do meu<br />

marido, que ele não tinha. Ele hoje conversa<br />

comigo, ele diz que lá ele pensava muito nas<br />

crianças, que eles estavam soltos na rua. Aqui,<br />

ele fica despreocupado, eles vivem aqui dentro,<br />

estão estudando, não tem perigo. [...] todo<br />

mundo se organiza. Tem os porteiros, que não<br />

deixam os de menor sair, tem regras, né, pros<br />

de menor não saírem pra rua. Então, não tem<br />

perigo nenhum.<br />

“Mudou muita coisa”, “mudou totalmente minha<br />

vida”, “mudou tudo” ou “mudou muito, muito mesmo”,<br />

foram expressões que ouvimos quando fazíamos a<br />

primeira pergunta aos entrevistados, sobre se havia<br />

ocorrido mudanças em suas vidas após sua integração<br />

à luta, que proporcionou uma nova moradia. Foram<br />

respostas que nos surpreenderam, pois esperávamos<br />

falas que apontassem mudanças mais pontuais, no<br />

acesso à escola ou saúde, no trabalho e nas condições<br />

de moradia. Mas as respostas indicam uma mudança<br />

muito maior: mudança na forma de ver o mundo.<br />

Chamou nossa atenção também um olhar que vê a si<br />

próprio como sujeito histórico, capaz de, através das<br />

suas ações, mudar o seu destino e o dos seus filhos.<br />

No seguir das entrevis tas, principal mente quan-<br />

do levados a comparar suas atuais condições de<br />

moradia com as que viviam anteriormente, ou<br />

quando estimulados pelas perguntas, eles falaram<br />

sobre educação, saúde, segurança etc. Raquel, como<br />

vários outros moradores da Manoel Congo, morava<br />

no Caju, zona norte da cidade, onde existia um dos<br />

núcleos de trabalho de base do MNLM29 :<br />

Olha, pra mim era horrível, pra ser sincera.<br />

Pela situação. Porque lá, a gente morava de<br />

aluguel. Eu morava num quartinho que era só o<br />

quartinho e o banheiro, e o tráfico era na porta<br />

da minha casa. Então, muitas vezes eu tinha<br />

que ficar com a porta fechada mesmo, porque<br />

se a porta ficasse só encostada... Duas ou três<br />

vezes, chegou a cair traficante com arma na<br />

mão pra dentro da minha casa, entrando pela<br />

porta. Era uma situação muito difícil, com as<br />

duas crianças [...] as crianças vão crescendo<br />

e vão vendo aquela movimentação, e eles não<br />

As iniciativas direcionadas especifica mente aos<br />

adolescentes têm uma dimensão muito mais cultural.<br />

As peças teatrais, as quadrilhas, o hip-hop, as rodas<br />

de funk, são tentativas de promover a integração deste<br />

grupo e estimular os jovens a participar dos processos de<br />

elaboração e decisão coletiva.<br />

acham feia! A realidade é essa, é dura e crua,<br />

mas eles não acham essa realidade feia. Eles se<br />

acostumam com aquilo, e eles acham bonito. Até<br />

porque lá, o garoto só tem valor quando tá no<br />

meio do tráfico, ele só arruma namorada bonita<br />

quando tá no meio do tráfico. Tem todas essas<br />

questões. Então, hoje, eu me vejo aliviada em<br />

ter saído de lá. Não pelas pessoas que moram<br />

lá, porque são pessoas normais, como eu, como<br />

muitas outras pessoas.<br />

Luta por moradia, educação e direitos humanos<br />

ANDES-<strong>SN</strong> n junho de 2012 65

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