Revista Universidade e Sociedade - Andes-SN
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Escritos Militantes<br />
“o direito deve ser visto como um procedimento<br />
de sujeição que ele desencadeia e não como uma<br />
legitimidade a ser estabelecida” (p. 181). Lutar por<br />
direitos é lutar por regras postas em prática por meio<br />
de um conjunto de aparelhos e funções guardiães de<br />
modelos, fundamentados, no liberalismo, naquele<br />
que não se divide, no indivíduo, acreditando que<br />
o comportamento regrado garantirá o sucesso da<br />
propriedade e do mercado. São aparelhos que operam<br />
em favor do juris, do direito, que dicere, bem-dito,<br />
bem-empregado, compõe a jurisdição que defende as<br />
leis. A sociedade liberal é constituída por relações de<br />
mercado, nas que a propriedade privada é central e<br />
defendida juridicamente por leis.<br />
Colocar em análise as leis que selam os direitos<br />
da criança e do adolescente em 1990, no Brasil, é<br />
um exercício circunscrito ao contexto em que elas<br />
foram disputadas: o da luta contra práticas ditatoriais<br />
e o do avanço do Estado de Direito, correlato ao<br />
alinhamento estrutural das relações liberais no<br />
contexto internacional. No campo da criança e do<br />
adolescente houve uma influência direta do Fundo<br />
das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) na<br />
definição das estratégias políticas desenhadas e<br />
articuladas em favor da consolidação do Estado de<br />
Direito. Órgão multilateral que agencia esta lógica<br />
em suas intervenções em países que considera em<br />
desenvolvimento – entre eles o Brasil –, o UNICEF<br />
prescreve receitas que nomeia como exitosas para a<br />
execução de programas e projetos dirigidos às crianças<br />
e aos adolescentes, em uma perspectiva liberal e<br />
normalizante de condutas. O regramento prevalece<br />
aos movimentos sociais, à discussão da distribuição<br />
da riqueza e do gerenciamento dos espaços públicos.<br />
Suas estratégias combinam, simultaneamente, norma<br />
e lei de maneira recíproca por meio de táticas como:<br />
financiamentos de ações voltadas para este segmento<br />
da população, articulação política, organização<br />
de congressos temáticos, publicação de relatórios<br />
de monitoramento de direitos violados, dos que<br />
são garantidos legalmente e, ainda, dos abordados<br />
pelas políticas públicas governamentais e não<br />
governamentais.<br />
O UNICEF fomenta a descentralização política<br />
por meio de grupos de tomada de decisão com<br />
representantes da sociedade civil organizada,<br />
80 UNIVERSIDADE E SOCIEDADE<br />
mobilizadora de interesses conflitantes, visando<br />
produzir consensos e pautar uma agenda de debates<br />
e proposições em torno da garantia dos direitos, no<br />
contexto jurídico do Estado regulador da lei e da ordem<br />
social, chamado Estado Democrático de Direito. Nesta<br />
linha, os conselhos participativos são vistos como<br />
importantes espaços de conversa e pressão política,<br />
além de locais de deliberação, que institucionalizam<br />
os movimentos sociais para diminuir sua potência<br />
subversiva, visando o seu enquadramento em<br />
procedimentos de regulação do Direito.<br />
Contra modos ditatoriais de organização política,<br />
a ideia de constituir conselhos participativos<br />
capitalizou as esperanças de intervir nos destinos<br />
das políticas públicas. Como forma de conduzir os<br />
destinos do capitalismo, a construção de leis é uma<br />
aposta na lógica e na estrutura jurídica que fortalece<br />
o estado penal. A subjetividade penal faz crer que se<br />
bem-aplicadas as leis, as pessoas serão corrigidas.<br />
Sempre focando o indivíduo, conduzindo as análises<br />
para a individualização das relações, destituindo-as<br />
de conteúdo histórico, político. A pobreza tem sido<br />
abordada pelos serviços de garantia de direitos como<br />
uma questão de desejo: famílias são desqualificadas<br />
em suas formas de vida; lições morais compõem<br />
o discurso para os jovens que vivem de acordo<br />
com a realidade que os cerca; situações provocadas<br />
pela pobreza são abordadas por meio de conselhos<br />
técnicos. O limite das práticas está dado pelo limite<br />
definido pela lei. Não basta dizer “tenho direitos”,<br />
pois a resposta mais recorrente na sociedade<br />
contemporânea brasileira tem sido “você tem<br />
deveres”: ante uma situação de violação de direitos<br />
procura-se um encaminhamento de acordo com a lei.<br />
Encaminhamentos com origem na lei, que deságuam<br />
nos procedimentos jurídicos.<br />
Há um consenso no sentido de não acreditar<br />
na capacidade dos procedimentos jurídicos<br />
transformarem os cenários históricos responsáveis<br />
por condições de vida inaceitáveis, inclusive os<br />
definidos juridicamente como violação de direitos.<br />
Mas as práticas têm se circunscrito ao âmbito<br />
da justiça. A sua potência não está dada pela sua<br />
eficiência nos resultados alcançados, mas na crença<br />
nela, o que tem significado a desqualificação de outras<br />
formas de intervir e, mais do que isto, a castração da