Revista Universidade e Sociedade - Andes-SN
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Escritos Militantes<br />
Segundo Mély, em 1859 a tarefa era substituir a direção<br />
moral e ideológica da escola do povo. Tratava-se de<br />
um momento de transição, onde o ensino religioso<br />
não poderia mais ser sustentado pelo Estado, ao<br />
mesmo tempo em que seria necessário construir<br />
novas bases capazes de possuir credibilidade entre as<br />
massas e a população. Era necessário garantir terreno<br />
fértil para o desenvolvimento das forças produtivas e<br />
do grande capital (2004, p. 357).<br />
Na França, desde o segundo Império, o sufrágio<br />
universal masculino era símbolo de uma conquista<br />
republicana. Conquista esta que significou em<br />
alguns momentos um perigo para a burguesia,<br />
possibilitando o Golpe de Estado de Bonaparte.<br />
Entretanto, sendo a França o único país onde este<br />
direito foi conquistado, a questão da educação do<br />
povo se tornou eminentemente política. Podemos<br />
comparar Itália e Alemanha à França, ambos os<br />
países não possuíam o sufrágio universal. Na<br />
Alemanha, certo rei Guilherme e a monarquia<br />
impediram que a educação do povo e seu caráter<br />
laico se tornassem questões políticas centrais e<br />
representativas da disputa de projetos de classes<br />
distintos. A ideia do sufrágio universal, na França,<br />
sua possibilidade concreta, instaurou as condições,<br />
mesmo que com todas as contradições, de exercício<br />
da representatividade no sentido de potencializar a<br />
participação popular da mesma forma que qualificar<br />
esta participação, através da educação e formação<br />
do “povo”. Todavia, seria necessário responder a esta<br />
demanda e dar educação para este povo, a burguesia<br />
iniciava um projeto de educação política das massas.<br />
Quais seriam então estes valores pedagógicos e<br />
morais da Educação Laica, da Educação do povo?<br />
Segundo Mély, ao reproduzir um texto do reitor<br />
Victor Duruy, incorporado pelos “ministérios da<br />
educação”, duas questões centrais foram colocadas:<br />
86 UNIVERSIDADE E SOCIEDADE<br />
Desenvolver por todos os meios nos alunos<br />
os instintos de generosidade, o amor inato as<br />
grandes coisas, que ele chama de elementos<br />
poéticos do nosso caráter natural; e por outro<br />
lado, manter o “justo limite” da paixão pela<br />
igualdade, esta autoestima que alguns têm por<br />
si mesmo, certo sentimento de independência,<br />
que é profundamente enraizado em nós, para<br />
prevenir os afastamentos e destacamentos;<br />
devemos também reforçar o bom-senso, o<br />
espírito prático, e fazer com que a juventude nas<br />
escolas aprenda a julgar com discernimento as<br />
coisas da vida, apreciar cada um o verdadeiro<br />
valor da vida (2004, p. 358).<br />
Este debate acima foi realizado nos anos de 1860.<br />
Era preciso abandonar o sufocamento do indivíduo<br />
e a culpa pelo pecado original (dízimo da igreja,<br />
condenação da usura), todavia, era necessário<br />
controlar suas aspirações por liberdade – colocar<br />
os justos limites. Esta era a defesa clássica dos<br />
republicanos há três anos antes da Comuna de Paris<br />
ser deflagrada. Era necessário manter o controle<br />
do povo, inculcar os valores “morais” da vida, da<br />
vida moderna capitalista. Estava posta a discussão,<br />
segundo Mély, sobre a sociedade laica – algo como<br />
a sociedade civil e a educação laica no interior da<br />
dita sociedade republicana. A educação laica virou<br />
símbolo da luta contra o absolutismo e a monarquia.<br />
A ideia da escola laica na França passava a ser<br />
defendida pelos liberais, positivadas, os darwinistas,<br />
pela tese de Renan (filósofo historiador) e pelos<br />
socialistas ateus. E, neste sentido, abriu-se um flanco,<br />
um cenário de disputas políticas sobre o que deveria<br />
ser esta educação laica.<br />
O debate foi duro. Os republicanos moderados,<br />
que neste momento assumiam o poder estatal, se<br />
colocavam contrários ao catecismo nas escolas,<br />
mas não contra a ideia de Deus. Defendiam que<br />
um francês ateu cairia na perdição, seria necessário<br />
desenvolver uma consciência religiosa ao menos.<br />
Georges Duveau (1866), responsável por construir<br />
um plano de educação para os trabalhadores,<br />
avaliou que era necessário ter o ensino religioso, mas<br />
deveria ser deixada a cargo dos ministros do culto,<br />
a educação pública que ficaria a cargo das matérias<br />
profanas, chamadas como cívicas. Eugene Bourdet,<br />
segundo Mély, um positivista que reivindicava Conte<br />
e que defendia a adoração à humanidade defendeu<br />
que a moral cristã deveria ser ensinada.<br />
Esta discussão gerou muita ambiguidade, pois<br />
ao mesmo tempo em que havia esta posição mais<br />
flexível, no fim dos anos 1960 havia posições que<br />
defendiam o “puramente laico”. Georges Duveau,<br />
nos seus estudos, percebe isso nos textos de Eugène<br />
Varlin, que no primeiro Congresso da Internacional<br />
de 1866, através da fala do litógrafo Emile Aubry,