Revista Universidade e Sociedade - Andes-SN
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Operação Tragédia Anunciada<br />
A operação de reintegração de posse era ostensiva<br />
e se estendia aos bairros vizinhos ao Pinheirinho.<br />
Um amplo cerco policial foi montado para assegurar<br />
que as pessoas que eram retiradas não retornassem<br />
às suas casas e para impedir ou dificultar o acesso de<br />
parlamentares, jornalistas, lideranças locais ou mesmo<br />
qualquer possível testemunha. As poucas imagens<br />
divulgadas da ação dentro do Pinheirinho foram feitas<br />
pelos próprios moradores.<br />
O elemento surpresa da reintegração desmobi lizou<br />
a capacidade de resistência da comunidade naquele<br />
domingo. Devido à enorme estrutura mon ta da para o<br />
despejo, uma luta maior de resis tência dos moradores<br />
seria praticamente impossível e acabou acontecendo<br />
principalmente no entorno do Pinheirinho. O bairro<br />
vizinho do Campo dos Alemães, por exemplo, foi palco<br />
da maioria dos confrontos com as forças policiais.<br />
Em pleno processo de despejo, o Pinheirinho<br />
ainda seria palco de um embate entre as justiças<br />
estadual e federal. Naquela mesma manhã foi expedida<br />
uma decisão federal determinando a suspensão da<br />
reintegração de posse. Após certa dificuldade, o<br />
defensor público Jairo Salvador e um oficial de justiça<br />
conseguiram entregá-la ao comandante da ação,<br />
Coronel Manuel Messias Mello. Em vez de acatar a<br />
ordem, Messias optou por seguir uma orientação do<br />
juiz Rodrigo Capez – assessor enviado pelo presidente<br />
do TJ/SP Ivan Sartori para comandar a operação – de<br />
dar continuidade à reintegração. Para Salvador, o que<br />
ocorreu nesse momento foi “uma atitude de ditadura<br />
militar, ele [Capez] não tem nada a ver com o feito,<br />
não atua no processo. É inconstitucional. É um juiz<br />
de exceção. A grande conquista da democracia<br />
é terminar com os tribunais de exceção. Ali, os<br />
moradores não tiveram nenhuma chance de defesa”.<br />
O defensor público denuncia ainda que o episódio<br />
representou um grave conflito federativo, já que além<br />
da determinação federal não ter sido acatada, havia<br />
uma recomendação do TJ/SP para que, se necessário,<br />
a Polícia Militar repelisse eventuais forças federais.<br />
À medida que as pessoas eram retiradas do<br />
Pinheirinho, eram encaminhadas aos abrigos<br />
improvisados da prefeitura, onde foram cadastradas<br />
e receberam uma pulseira de identificação para que<br />
mais tarde retornassem às suas casas e retirassem<br />
seus pertences. Entretanto, isto nunca ocorreu. E<br />
no próprio domingo teve início a demolição das<br />
construções. Foi tudo posto abaixo em apenas três<br />
dias. As famílias do Pinheirinho perderam boa parte<br />
do que tinham: roupas, móveis, documentos, materiais<br />
escolares, fotografias, animais de estimação...<br />
A destruição de todas as propriedades e parte dos<br />
pertences dos moradores, além de uma violência sem<br />
tamanho, ainda passou por cima de uma determinação<br />
do juiz estadual Sílvio Pinheiro, que proibia a<br />
demolição dos imóveis.<br />
Se os governos mobilizaram um enorme efetivo<br />
para garantir uma reintegração de posse daquela<br />
proporção, não tiveram tanta preocupação com o<br />
que viria depois, já que praticamente não existiu um<br />
plano de contingência. Os abrigos eram insuficientes,<br />
inadequados para tratar com dignidade aquelas<br />
pessoas e não havia qualquer outra opção às famílias.<br />
Na avaliação do conselheiro do Condepe, Renato<br />
Simões, “não dá para chamar aquilo de abrigo, era<br />
um campo de confinamento de pessoas que foram<br />
objeto de uma ação sem nenhum planejamento das<br />
consequências sociais que iria gerar”.<br />
Um auxílio aluguel no valor de R$ 500 seria<br />
anunciado apenas uma semana depois, quando<br />
a repercussão do Pinheirinho já tinha causado<br />
grande desgaste às imagens dos governos estadual e<br />
municipal. “As políticas públicas municipais foram<br />
um fiasco”, afirma Renato Simões. Como exemplo,<br />
ele cita a direcionada aos cuidados com os animais<br />
recolhidos no Pinheirinho. Apesar de um gasto de<br />
cerca de R$ 1.500 por animal, dos 239 recolhidos pela<br />
prefeitura, 114 acabaram morrendo.<br />
Direitos humanos suspensos<br />
No próprio domingo e nos dias seguintes, as<br />
principais autoridades envolvidas no despejo vieram<br />
a público defender a reintegração de posse e a postura<br />
da Polícia Militar e da Guarda Civil Municipal.<br />
O governador Geraldo Alckmin, o secretário de<br />
Segurança Pública Antônio Ferreira Pinto e o juiz<br />
estadual Rodrigo Capez, entre outros, negaram<br />
maiores abusos e acusaram os críticos de querer fazer<br />
uso político da situação.<br />
Pinheirinho, o Estado como agente da barbárie<br />
ANDES-<strong>SN</strong> n junho de 2012 177