Revista Universidade e Sociedade - Andes-SN
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Escritos Militantes<br />
Ainda sobre o controle exercido pelo tráfico na<br />
comunidade em que ela morava, fato comum no<br />
Rio de Janeiro, ela diz: “As pessoas acham que tudo<br />
que têm que resolver, basta ir lá na boca e falar: ‘tá<br />
acontecendo isso, aquilo e aquele outro, então vocês<br />
resolvem aí’. O tráfico vai lá, e resolve da maneira que<br />
ele acha que tem que resolver, e pronto. E as famílias,<br />
as pessoas que moram lá, já estão acostumadas.”<br />
Raquel relaciona também os problemas de segurança<br />
com a educação: “Tanto na creche como na escola<br />
normal, as crianças faltam muito às aulas. Porque a<br />
gente sabe... os traficantes passam avisando que não<br />
é bom ninguém ir pra escola, porque ‘o bicho vai<br />
pegar’. Então, eu não vou arriscar a vida dos meus<br />
filhos, jamais vou arriscar a vida deles pra eles irem<br />
à escola.”<br />
Ainda sobre educação, Raquel faz uma revelação<br />
importante e, de certo modo, até surpreendente.<br />
Ela, como várias outras mães e avós que moram na<br />
ocupação, voltou a estudar também:<br />
66 UNIVERSIDADE E SOCIEDADE<br />
Eu voltei a estudar porque, na realidade,<br />
eu tinha parado de estudar com 14 anos de<br />
idade, quando eu morava no Piauí. Aí, eu saí<br />
de lá fugida, porque a pobreza era enorme, e<br />
eu sempre tive um sonho de crescer mesmo, de<br />
melhorar de vida. E quando eu vim de lá, eu fugi<br />
mesmo de casa – e levei 15 dias pra chegar nesse<br />
Rio de Janeiro – e não trouxe transferência da<br />
minha escola. Então, por isso que eu parei de<br />
estudar. E depois que eu vim pra cá, que eu estou<br />
morando aqui... a maioria das pessoas, não só<br />
eu, não só a Lígia, mas a maioria das mulheres<br />
que são casadas, das jovens que tinham parado<br />
de estudar, voltou a estudar. Hoje, a gente tem<br />
mais objetivo na vida, a gente tem interesse em<br />
que tudo aqui dê certo, que a Casa de Samba<br />
comece a funcionar logo e que a gente comece<br />
a ter um trabalhozinho aqui dentro mesmo, que<br />
não precise sair pra fora pra trabalhar. Então, é<br />
assim, tudo anima a gente!<br />
Neide também sofria com a violência: “Eu tinha<br />
meus filhos lá, e eles iam à escola. Mas eu tinha medo,<br />
né, porque tem as milícias lá.” 30 Perguntada sobre o<br />
acesso à saúde em seu antigo local de moradia, diz:<br />
“Não, tudo era mais difícil lá. Aqui é muito mais fácil.”<br />
Joice também falou de mudanças no acesso à<br />
saúde: “Sim, isso pra mim foi melhor [...] Porque<br />
aqui estou mais perto de um hospital central, de<br />
um posto... Lá não tinha isso bem à porta”. Já no<br />
acesso à educação, ela não vê muitas diferenças: “em<br />
relação à educação, a única coisa que mudou foi a<br />
administração da prefeitura”. Raquel, por sua vez,<br />
não detecta mudanças no tocante à saúde: “A saúde<br />
em si, pra mim, continua a mesma de lá. Os postos<br />
de saúde são a mesma porcaria”. Portanto, ao que<br />
parecem, as mudanças em questões como saúde,<br />
educação e segurança afetam de forma distinta as<br />
diferentes famílias.<br />
Registramos que Wellington e Joice nada<br />
falaram sobre a problemática da segurança quando<br />
perguntados sobre as mudanças em suas vidas com<br />
a nova moradia. Sobre as mudanças citadas por<br />
Raquel e Neide a respeito da questão da segurança<br />
de suas famílias, percebe-se que, além de remeterem<br />
à mudança de moradia e de localização, falam,<br />
explicitamente, que o sentimento de segurança que<br />
têm hoje é relacionado à organização da ocupação.<br />
No caso da temática da educação, as falas também<br />
apontam mudanças relacionadas à organização da<br />
Manoel Congo e sobre a importância da “escolinha” e<br />
das aulas de reforço. E a volta aos estudos da “maioria<br />
das mulheres que são casadas, das jovens que tinham<br />
parado de estudar”, parece ser também um forte<br />
estímulo e exemplo para a educação das crianças e<br />
adolescentes da ocupação. Estímulo que as crianças,<br />
agora mais animadas com a educação, também<br />
passam aos pais: “Eu voltei a estudar e aí tem dias<br />
que eu falo: hoje eu não vou pra escola, não. E ela<br />
(Vivian): ‘mãe, a senhora tem que ir pra escola! Eu<br />
vou todo dia, acordo todo dia e vou pra escola, como<br />
que a senhora diz pra mim que não vai pra escola?’”,<br />
conta Raquel.<br />
Sobre o acesso das crianças aos equipamentos<br />
e eventos culturais e de lazer, a organização da<br />
Manoel Congo também parece ser essencial. “Hoje,<br />
por exemplo, eles até saíram, foram para o Centro<br />
Cultural Banco do Brasil”, lembra Joice, ao falar sobre<br />
o trabalho no Espaço Criarte. Raquel conta que no<br />
Dia das Crianças (comemorado dois dias depois da<br />
realização da entrevista) “vai ter um passeio ao Aterro<br />
do Flamengo”. Esse passeio também é organizado<br />
pela “escolinha” da ocupação.<br />
O que surgiu como ponto em comum nas<br />
avaliações dos moradores foi a percepção de uma