Revista Universidade e Sociedade - Andes-SN
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1. Condições de vida<br />
no desemprego permanente<br />
Antes de adentrar na descrição proposta, é<br />
importante explicitar que a pesquisa-ação realizada<br />
contou com 2 grupos de sujeitos de pesquisa, os<br />
trabalhadores que se articulam no Movimento<br />
e o que se costuma denominar de lideranças.<br />
Foram as lideranças que nos ajudaram a chegar<br />
aos trabalhadores2 , propriamente dito. Se não<br />
fossem elas, dificilmente isso ocorreria, dado o<br />
número de locais e também às questões de cunho<br />
subjetivo, como a da confiança. Foi com o grupo<br />
de lideranças que o processo de inserção e os dados<br />
coletados: desde as observações, passando pelos<br />
questionários e entrevistas, foram sendo debatidos.<br />
No seminário de finalização do processo de pesquisa<br />
em Pelotas contamos, também, além das lideranças,<br />
com dirigentes do Movimento do Estado do<br />
Rio Grande do Sul.<br />
Pode-se dizer que, em sua maioria, os sujeitos<br />
da pesquisa não possuem lembranças relacionadas<br />
a trabalho ou emprego permanente, com carteira<br />
assinada e direitos trabalhistas. As pessoas realizam<br />
os mais diversos tipos de trabalho, entre eles:<br />
trabalho informal, ou seja, “bicos”, como faxineiras,<br />
“cuidadoras de crianças” 3 , lavadoras de roupa,<br />
pedreiros, serventes e outros que vão aparecendo.<br />
Todos começam a trabalhar muito jovens, sendo o<br />
trabalho descontínuo, sempre provisório, precarizado<br />
e sem nenhuma exigência de formação/qualificação<br />
anterior, indicando desemprego permanente4 . Neste<br />
processo, vai se firmando o desejo da garantia da<br />
carteira assinada.<br />
O desemprego gera uma condição de procura e de<br />
entrega de currículo em que eles não obtêm sucesso<br />
na busca, mesmo entregando diretamente nos locais<br />
de trabalho. Procurar emprego acaba sendo uma<br />
ocupação. O que os distingue de muitos outros<br />
desempregados, sendo uma das características da<br />
situação de desemprego permanente.<br />
Nas falas, aparecem, também, relatos das<br />
experiências organizadas pelo Movimento: as frentes<br />
de trabalho, que deram certo, mas não continuaram<br />
e as diversas tentativas de organização de grupos,<br />
coletivos e ou pequenos empreendimentos, como<br />
padaria, costura, galpão de reciclagem, assentamento<br />
rururbano. Todas foram iniciativas que, por múltiplos<br />
motivos, não atingiram os objetivos propostos.<br />
Para esses sujeitos, o sonho do emprego relacionase<br />
à carteira assinada, e a desesperança faz com<br />
que agarrem qualquer ideia de fazer algo. Ao<br />
mesmo tempo, sabem que a carteira assinada, nesta<br />
sociedade, e nas condições em que se encontram,<br />
é uma impossibilidade, conforme expressa uma<br />
desempregada: “eu tenho 56 anos, semianalfabeta,<br />
não consigo emprego porque passei da idade”<br />
(entrevista, 2011-1).<br />
Observamos nesta fala o que nos coloca Mészáros<br />
(2009, p. 94) quando ele aponta que o capital não é<br />
simplesmente uma entidade material, também não<br />
é um mecanismo racionalmente controlável, mas<br />
é, em última análise, uma forma incontrolável de<br />
controle sociometabólico. O capital é o primeiro<br />
sistema na história que se constitui como totalizador<br />
irrecusável e irresistível, não importa quão repressiva<br />
seja a imposição de sua função totalizadora em<br />
qualquer momento e em qualquer lugar em que<br />
encontra resistência. Contudo, o preço a ser pago<br />
por esse incomensurável dinamismo totalizador<br />
é, paradoxalmente, a perda de controle sobre os<br />
processos de tomada de decisão. No caso dos<br />
desempregados do MTD, a sujeição é ao desemprego<br />
crônico e permanente.<br />
Nas entrevistas ficou explícita também a<br />
importância das mulheres junto aos filhos e no<br />
sustento das famílias. Na perversidade da situação,<br />
diferentes sentimentos: o alento do amparo<br />
representado pela mãe solidária que ajuda, socorre;<br />
por outro, a negação da possibilidade de se produzir<br />
autônoma/autonomia sendo percebida como uma<br />
situação incômoda. As mulheres assumem o lugar<br />
de gestoras da sua vida e de sua família. Com<br />
elas, está toda a garantia de vida, elas trabalham<br />
em casa e “fazem bicos”, bem como militam no<br />
Movimento. A condição de não emprego/salário, não<br />
permite a organização da vida, as pessoas passam<br />
a depender cada vez mais de financiamento. Ficou<br />
a sensação de que a bolsa família, principalmente,<br />
os torna ‘funcionários do Estado’ e, se o acordo é<br />
cumprido, não há porque deixar de receber a ajuda.<br />
Na medida em que respondiam às questões,<br />
Desafios para o Movimento dos Trabalhadores Desempregados<br />
ANDES-<strong>SN</strong> n junho de 2012 49